FOLHAPRESS – A indefinição sobre o tamanho da fatura extra de gastos para 2023 tem alimentado a especulação do mercado financeiro e desperta o temor de que as mudanças a serem promovidas pelo governo eleito coloquem a dívida pública em uma trajetória explosiva.
Tanto Jair Bolsonaro (PL) quanto Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disputam o segundo turno pelo Planalto, já sinalizaram que pretendem pedir uma licença para mais gastos no ano que vem, assim como flexibilizar a regra do teto (que limita o avanço das despesas à variação da inflação). No entanto, nenhum dos lados detalhou os números.
Nas contas do atual governo estão a manutenção do benefício mínimo de R$ 600 do Auxílio Brasil (a um custo de R$ 52,5 bilhões), um adicional de R$ 200 para beneficiários que conseguirem emprego e ainda um 13º para famílias chefiadas por mulheres (cerca de R$ 10 bilhões).
Bolsonaro também já prometeu desfazer o corte previsto em despesas de programas sociais como Farmácia Popular (que teve redução de R$ 1,4 bilhão), além de ter demonstrado intenção de retomar investimentos públicos.
O cálculo dos petistas, por sua vez, inclui, além dos R$ 600 do Auxílio Brasil, um adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos (R$ 16,2 bilhões), um reajuste maior para servidores, valorização do salário mínimo e aumento dos investimentos.
Com a ida do pleito para o segundo turno, porém, a fileira de promessas só aumenta, de forma incompatível com a expectativa de moderação entre os economistas do mercado. Embora haja o reconhecimento de que será necessário ampliar gastos sociais em meio à fome, o temor é de que a dose seja exagerada.
Medidas que geram renúncias de receitas, como a correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), também pioram a dívida pública, embora não dependam de uma autorização especial para mais gastos.
Vladimir Kuhl Teles, ex-secretário de Guedes e atual economista-chefe da gestora de investimentos O3 Capital (que tem como sócio o empresário Abílio Diniz), calcula que a dívida bruta cresceria de maneira acelerada caso seja incorporada nas contas públicas a partir de 2023 uma expansão adicional de R$ 100 bilhões no nível de despesas (além do que já está previsto na proposta de Orçamento de 2023), somada a uma expansão adicional no teto de 1% acima da inflação a partir de 2024.
Nesse caso, diz Teles, a relação entre dívida bruta e PIB (Produto Interno Bruto) passaria dos atuais 77,5% para 91,31% em 2026 e continuaria em “trajetória explosiva” a partir daí -podendo superar 100% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2029.
Já no caso de uma expansão permanente de R$ 100 bilhões nas despesas em 2023, mas um crescimento limitado pela inflação a partir disso, o endividamento sobe nos próximos anos e depois se estabiliza.
“É fundamental então, que o país seja cauteloso e encontre uma regra que permita equilíbrio fiscal intertemporal sem ter de contar com a sorte de um crescimento acima do esperado, por exemplo, pois o custo de uma dívida descontrolada seria sentido em toda a economia, como já testemunhamos no passado”, afirma Teles.
As projeções consideram um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 1,3% ao ano, equivalente à média observada nos três anos que antecederam a pandemia. Esse dado é relevante porque uma economia mais aquecida ajuda a controlar a relação dívida/PIB, enquanto uma atividade mais fraca influencia no sentido contrário.
Tiago Sbardelotto, economista da XP, considera que o teto será ajustado em 2023 e seguirá nos anos seguintes sendo corrigido pela inflação. “Esse é o único cenário em que se consegue estabilizar a dívida pública ao final do período”, afirma em relatório.
Segundo ele, se a elevação das despesas estiver em linha com a inflação, é possível estabilizar a dívida a partir de 2028. Caso contrário, a dívida tende a se elevar até 2030.
“Um arcabouço fiscal sustentável combinado a reformas estruturantes que aumentem o crescimento potencial da economia serão fatores diferenciais para atingir um endividamento menor”, afirma.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente), vinculada ao Senado, avalia que a dívida bruta do governo pode subir cerca de 5 pontos percentuais na esteira da ampliação dos gastos e também do maior custo com juros da dívida pública -que fica mais cara diante da maior percepção de risco do mercado.
Segundo o economista, a “aceitação” do aumento de gastos pelo mercado, para que não haja pânico nem maiores instabilidades, vai depender não só do tamanho da fatura, mas de sua composição -ou seja, o que é pelo lado do gasto e o que é pelo lado da receita.
“Pelo lado do gasto, as contas em torno de R$ 70 bilhões a R$ 120 bilhões pareciam aceitáveis. O problema é que esses R$ 100 bilhões não resolvem todo o problema, só resolvem a maior demanda pelo lado do gasto. Parte da piora fiscal se deve à renovação de renúncias fiscais. E quando se coloca os dois pontos, fica algo acima de R$ 200 bilhões, sem contar a própria mudança da regra fiscal”, alerta.
O Tesouro Nacional desenha uma proposta de flexibilização do teto de gastos, como antecipado pela Folha de S.Paulo. A reformulação autoriza o crescimento real das despesas conforme o nível e a trajetória da dívida pública, a uma taxa a ser definida a cada dois anos. A regra também concede um bônus de ampliação dos gastos em caso de melhora do superávit nas contas públicas.
A proposta tem sido apresentada a agentes de fora do governo com projeções mais brandas para a trajetória da dívida pública, mesmo sob o regime fiscal proposto pelo órgão. No modelo, haveria um impulso inicial das despesas no primeiro ano de vigência, equivalente a um crescimento do teto de 2% acima da inflação.
Nas diferentes simulações do Tesouro, a dívida bruta cai a longo prazo ou, num cenário de atividade menos pujante, sobe -mas em ritmo menor do que o temido pelo mercado.
A dívida cresceria para no máximo 94,3% do PIB em 2034 considerando um cenário conservador para o crescimento do PIB (variação de 2% a partir de 2025). Na projeção mais otimista, com crescimento mais intenso da atividade (de 2,5% entre 2023 a 2026, por exemplo), a dívida subiria até 2026 e cairia a partir desse ano até baixar para 70,8% em 2034.
As contas sobre a dívida pública são feitas em um momento decisivo da campanha eleitoral, enquanto o mercado pressiona a equipe de Lula a se mover em direção ao centro e fazer acenos mais contundentes de que manterá a estabilidade das contas públicas. A campanha do petista também vem sendo cobrada a dar uma sinalização sobre seu eventual futuro ministro da Fazenda para manter a adesão de empresários e investidores.
O PT calcula que ao menos R$ 200 bilhões em despesas extras podem ser necessários no ano que vem -embora o partido estude diminuir a conta adicionando despesas ao Orçamento de forma gradual, e não imediata. Algumas, inclusive, ficariam para 2024.
Após o melhor desempenho de Bolsonaro nas urnas no 1º turno, o mercado se mostrou otimista -conforme mostram a alta da Bolsa e a queda no dólar no dia seguinte. No entanto, há dúvidas sobre a capacidade do atual governo de se blindar contra pressões do centrão por fortes aumentos de gastos.
Mercado faz alerta para trajetória explosiva da dívida se presidente eleito exagerar nos gastos
Redação
Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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