Com um grande potencial hidrográfico, o Amazonas é relegado a segundo plano nas prioridades federais, algo que impacta negativamente na expansão da navegação fluvial regional, detendo um gigantesco recurso natural que pode alavancar o desenvolvimento do Estado, gerando mais empregos e renda.
O desabafo é de Railgela Torres, presidente da Associação dos Navegadores do Amazonas, uma das entidades que buscam organizar (por iniciativa própria) o que o poder público ainda não impulsiona devidamente, ressaltou a dirigente. Ela participou de um painel logo após a abertura, ontem, da terceira edição da Feira Navegistic, no Centro de Convenções Vasco Vasques, na zona norte de Manaus.
Considerada a maior Feira de Navegação Fluvial da América Latina, o evento segue até esta sexta-feira (9) em Manaus. O Jornal do Commercio está presente com um estande no local, onde fala de sua trajetória de 121 anos de atuação no Amazonas, expondo fotos e outros materiais históricos do veículo mais do que centenário.
Hoje, a União destina um fundo de R$ 90 bilhões para alavancar o setor. Porém, a extrema burocracia, aliada a um completo desconhecimento sobre a realidade regional, é o principal gargalo para que empresas tenham acesso a esses recursos bilionários, dificultando acompanhar as tendências mundiais.
Em sua explanação no painel, Railgela Torres impressionou uma plateia formada por especialistas, grandes empresários e outras lideranças ao tecer críticas construtivas abordando uma “desconexão total” da administração federal para um segmento que pode alavancar a economia.
“Podemos falar com propriedade dos profissionais que nos atendem. Não existe a menor segurança. Empregamos pessoas sem a menor qualificação, ao contrário do que acontece com o Detran, que pode punir quem comete infrações. Somos responsáveis por vidas, mas pessoas desqualificadas, maconheiros, cachaceiros (sic) que trabalham nas embarcações são um risco para a população usuária”, alertou.
De acordo com Railgela, que também é empresária e fabricante de barcos, essa exigência de qualificação para operações no trânsito urbano, em rodovias e vias aéreas também deveria ser estendida às hidrovias. “O nosso profissional não é igual a de outros setores. É preciso urgência nesse aspecto. Não podemos deixar nosso patrimônio nas mãos dessas pessoas irresponsáveis”.
Hoje, o governo federal prevê investimentos de R$ 5 milhões para empresas da indústria naval no Amazonas, mas a quantia é considerada irrisória para a construção de barcos de grande calado. O aporte aumenta de acordo com o perfil da empresa.
“Sem maiores aportes financeiros, não poderemos alavancar o segmento. Precisa conhecer mais a realidade. Se chover, ninguém opera. Os barcos não têm freios. A frota tem que ser renovada imediatamente para se adaptar às atuais condições climáticas”, frisou.
O Ministério dos Transportes Aquaviários desenvolve uma política para o controle de hidrovias, mas elas estão distantes da realidade dos municípios. O presidente da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), Wilson Lima Filho, disse que o governo federal estuda ações para reorganizar a navegação fluvial no Amazonas e na Amazônia. “Estamos cientes dessas dificuldades e buscamos alternativas para promover melhorias”, afirmou.
Controle de hidrovias
Chamadas de MP4, as operações que delimitam as hidrovias não correspondem (em geral) às peculiaridades de municípios do Amazonas. “Quase ninguém pode seguir as regras da MP4. Há muita diferença entre os municípios”, afirma Railgela. “Vemos nitidamente que os operadores não têm o mínimo de conhecimento sobre o que é segurança. Tem que haver treinamento. O que está faltando para a gente é pelo menos o básico para operações mais responsáveis. Na hora dos desembarques é uma bagunça”, acrescentou Railgela.
Com calado de 70 metros, os barcos que navegam nos rios da região estão ultrapassados para a navegação, impactando em custos operacionais. “Faltam investimentos. Mas nem todos têm condições de atender às exigências dos fundos federais e dos agentes financeiros para a liberação de financiamentos”, questionou.
Ontem, o governo federal anunciou a aprovação de R$ 22 bilhões para impulsionar o crescimento das atividades logísticas. Os recursos foram disponibilizados pelo Conselho Diretor do FMM (Fundo da Marinha Mercante), do MPor (Ministério de Portos e Aeroportos).
Os investimentos contemplam 26 projetos ligados à construção de embarcações, reparos, docagens, modernização de unidades existentes, ampliação de estaleiros e novas infraestruturas portuárias.
Segundo a União, esse foi o maior volume de recursos aprovados pelo FMM em uma única reunião do conselho, realizada na terça-feira (6).
“Estamos batendo mais um recorde, com a aprovação desse grande volume de investimentos, para alavancar e fortalecer a indústria naval e o setor aquaviário”, afirmou o ministro do MPor, Silvio Costa Filho. “Isso mostra que o governo federal voltou a dar prioridade a esse setor que é fundamental para o desenvolvimento do País. Nessa gestão do presidente Lula, já aprovamos mais de R$ 60 bilhões em projetos de modernização e construção no setor naval”, comemorou.
Entre os projetos aprovados, no setor naval estão o pedido da Petrobras para a construção de oito navios gaseiros para transporte de GLP, no valor de R$ 4,1 bilhões, e o projeto da DOF Subsea Brasil Serviços para a construção de quatro embarcações do tipo RSV, no valor de R$ 3,2 bilhões, o que demonstra a continuidade da retomada da indústria naval.
No setor de infraestrutura, destacam-se, entre os projetos aprovados, a modernização do estaleiro da Green Port, em Niterói (RJ), no valor de R$ 242 milhões; a construção de terminal para exportação de minério de ferro da Cedro Participações, em Itaguaí (RJ), parte da carteira de licitações de arrendamentos portuários de 2024 do Ministério de Portos e Aeroportos, no valor de R$ 3,9 bilhões; e a modernização do Tecon Rio Grande, no Estado do Rio Grande do Sul, no valor de R$ 533 milhões.
Essa foi a primeira reunião do ano do Conselho e ainda em 2025 haverá outras três reuniões. Do total aprovado, R$ 15,4 bilhões são referentes a 19 novos projetos e R$ 6,7 bilhões em projetos reapresentados.
Fomentando investimentos
Entre as medidas adotadas pelo governo federal que têm estimulado os investimentos foi a publicação da Resolução CMN nº 5.189, de 19 de dezembro de 2024, que regulamentou a aplicação dos recursos FMM e trouxe avanços significativos para o setor naval, com objetivo de promover melhorias regulatórias e fortalecer a indústria brasileira.
Entre as principais mudanças previstas na resolução, destacam-se a retirada do valor mínimo da taxa de juros nas condições de financiamento, o aumento do período de amortização para projetos de reparos e docagens, e a inclusão de novas taxas – a Taxa Fixa e a Taxa Fixa PMPE, conforme a Lei nº 14.937/2024.
Além disso, a resolução também amplia o escopo de financiamentos, com a inclusão de Plataformas, Módulos de Plataformas e desmantelamento, o que visa simplificar processos e oferecer vantagens competitivas tanto para os estaleiros nacionais quanto para todo o setor naval.
Superterminais amplia logística
O presidente do Super Terminais, Marcelo Di Gregorio, anunciou que a empresa investiu R$ 180 milhões na compra de três novos guindastes 100% elétricos da fabricante alemã Konecranes Gottwald e a ampliação em 20% do píer flutuante da companhia.
“É uma ação que acompanha a evolução do setor naval da Zona Franca de Manaus (ZFM), que registrou aumento expressivo de 741% no faturamento em janeiro de 2025, em comparação com o mês anterior”, disse, ao participar, ontem, de uma entrevista para o durante a abertura da terceira edição da Feira Navegistic, no Centro de Convenções Vasco Vasques.
Referência em operações logísticas na Amazônia, a empresa Super Terminais pediu à Antaq autorização para operar um píer flutuante voltado para o transbordo de grãos em Itacoatiara (município a 175 quilômetros de Manaus).
Os setores técnicos da agência se manifestaram favoráveis ao projeto, mas recomendaram a abertura de anúncio público para verificar se há outras empresas interessadas em instalar estrutura semelhante na região. A decisão ficará a cargo da Gerência de Outorgas de Autorização da Antaq.
O modelo de terminal portuário proposto pela Super Terminais é similar ao utilizado para operações emergenciais de contêineres na seca de 2024: um píer flutuante de 240 metros de extensão e três guindastes. O píer será fixado no meio do rio, no mesmo local do porto provisório.
O “Super Terminais Itacoatiara” ou “Porto Verde” será usado especificamente para “operações de transbordo de granéis sólidos” entre navios graneleiros e barcaças, sem a necessidade de armazenagem das cargas. A Super Terminais estima movimentar 2,5 toneladas por hora de grãos.
“A empresa é considerada totalmente verde porque prioriza sempre a sustentabilidade e a preservação da rica biodiversidade”, ressaltou o empresário Marcelo Di Gregorio.