Falando sério. Eu acho que esse negócio de harmonizar os Sucos da Bíblia com comida é uma arte que depende em grande parte e diretamente do gosto do freguês. Colocar o teu gosto pessoal no plano maior dos acontecimentos, é a chave para o sucesso da enoharmonização. Querem um exemplo? Na tua opinião, qual vinho melhor harmoniza com o delicioso e exclusivo Jamón Ibérico Pata Negra, proveniente da região de Salamanca? Diz ai…. Antes de receber a tua resposta é melhor explicar para quem ainda não conhece, o que é esse tal de Jamón Pata Negra. Antes de mais nada é importante dizer que existem três tipos de presuntos espanhóis. Isso mesmo, jamón é presunto em português. Eles são: Jamón Serrano, o Jamón Ibério (pata negra) e o Jamón de Bellota.
O Jamón Serrano é o mais popular e muito consumido em toda Espanha. Igual o cafezinho no Brasil é servido nas lanchonetes, bares, restaurantes, e é também bem baratinho. Detalhe, diferente dos jamones Ibéricos Pata Negra e Bellota, a denominação de Jamón Serrano não está relacionada com a raça específica do suíno “doador” do pernil, mas sim com a forma como a carne é curada. Para fabricação do Jamón Serrano, são utilizados pernis de suínos selecionados. Normalmente, todos os presuntos que não são ibéricos são chamados de serranos ou de jamón branco. Os animais utilizados não pertencem a família do suíno ibérico, e são todos de capa branca. Os jamóns serranos são divididos em três classificações: bodega (12 a 15 meses cura) reserva ( 18 a 24 meses cura) e gran reserva (mais de 24 meses cura). Na escala dos jamones mais nobres, está o Jamón Ibérico Pata Negra, produzido de animais que na alimentação são misturadas “bolotas” e cereais. O “mais top” de todos é o Jamón de Bellota, que leva este nome porque é feito a partir de pernis de suínos alimentados exclusivamente com castanhas bellota (bolotas) durante três meses. O resultado da cura do presunto, que dura 24 a 30 meses, é uma carne tenra e perfumada, untuosa e com sabor muito particular.
Deixa eu te passar um pouco do que eu descobri sobre a fascinante história do Jamón espanhol. Tudo começou com a necessidade de conservar as carnes por mais tempo, numa época em que não havia geladeiras, depois que o homem, desde a mais remota antiguidade, aprendeu que era preciso tirar das carnes todo o líquido. Curioso é que esse processo utilitário ainda deixa as carnes, sobretudo de suíno, muito mais saborosas. Sem contar que, apesar de servidas cruas, não estragam. Isso porque são “curadas” em um processo que inibe o crescimento de bactérias. A fabricação dos presuntos se faz por etapas – salga, defumação, secagem, condimentação, maturação. São muitos os presuntos, mas nenhum se iguala ao presunto cru espanhol, tanto na fama como no sabor. A maneira de preparar o presunto, claro, é fator qualitativo muito importante, mas, sobretudo, a raça “ibérica “do animal, um suíno meio selvagem, gordo, com pelo negro, pernas longas, canelas finas e as famosas unhas escuras. É aí que reside a fonte do diferencial e vem o nome “pata negra”. A qualidade da carne está diretamente ligada ao tipo de alimentação dos suínos. A melhor, como já mencionei acima, é a carne de “bellotas” – de animais alimentados apenas com “amêndoas” – frutos do azinheiro e do sobreiro (árvore da cortiça). Depois do abate, esses animais seguem ritual que se reproduz há séculos. Primeiro são lavados em água morna, tosados e resfriados por 24 horas. As patas traseiras são reservadas para fazer o presunto. A carne destinada ao presunto é pendurada, até que todo o sangue escorra. Em seguida, cobre-se a carne com camada grossa de sal; permanecendo assim por duas semanas. Depois as peças são lavadas e armazenadas, por mais seis semanas em local fresco que mais parecem adegas. Inicia-se então o processo da cura. Para tanto pendura-se o presunto, com cordas ou ganchos, em secadouros. A entrada de ar fresco, é regulada segundo o clima, com dispositivo especial. A carne então “transpira”, chegando a perder um terço de seu peso inicial. Depois as peças vão para local com temperatura ainda menor, onde ficam penduradas por mais um ano. Todo o processo de preparação e cura, dura em média, 30 meses. Nasce então o presunto espanhol, uma das mais saborosas carnes do mundo.
Agora, vamos à boa notícia que faltava. Segundo os ensinamentos que me deram os Chefs na região de Toledo, bem pertinho de Madrid, a tradição espanhola manda a gente escoltar o jamón ibérico com um belo tinto da tempranillo. Normal. Creio que é justamente em casos como esse, que prevalece o gosto do freguês. Nos tempos ‘transgressores’ de hoje, a opinião dos especialistas vem cada vez mais rompendo com a tradição. Tem sommeliers sugerindo as cavas e espumantes, para uma boa combinação. Ainda não testei mas já ouvi a opinião de quem achou maravilhoso o casamento do jamón ibérico pata negra com vinhos brancos. Sabe qual é minha opinião? Eu acho que esse presunto espanhol pode ser harmonizado tanto com vinhos brancos quanto com vinhos tintos. Faz o seguinte, experimenta e depois me diz o que achou. Só tem uma coisinha a mais que não posso deixar de fora. Como nada neste mundo é perfeito, encontrei apenas um defeito no especialíssimo jamón ibérico pata negra, por sinal grande e lamentável. O preço é meio salgado. Infelizmente é a mais pura verdade. Portanto, antes de tudo, prepare o bolso, e depois mergulhe nos sabores dessa iguaria única, símbolo da gastronomia espanhola. Vale a pena. Pelo que sei, a aconchegante Adega Del Vino é o único enopoint em Manaus onde é possível harmonizar o autêntico Jamón Pata Negra Bellota com vinhos fora de série. Vai lá e confere.
Minhas dicas. O jamón espanhol é meio adocicado. Toda fatia de jamón deve ter no máximo um dedo de gordura.
Meu alerta. O jamón fatiado industrializado do supermercado em bandeja, geralmente é preparado com pouco tempo de maturação, com a carne de suíno criado em confinamento e alimentado com ração de baixa qualidade. Confesso que mesmo assim não deixa de ser saboroso. A escolha é tua.
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