Quando se fala em Zona Franca de Manaus fora dos limites geográficos do Amazonas, a ideia que surge ao interlocutor costuma se limitar à renúncia fiscal inerente ao modelo de desenvolvimento. Especialmente quando essa informação –que costuma ser acompanhada de superlativos e conceitos pejorativos –é utilizada como argumento para minar a indústria incentivada e inviabilizar suas operações. Economistas e dirigentes frisaram, entretanto, que pouco se sabe sobre a contribuição da ZFM em termos de geração de divisas para a região e o restante do país, embora a má administração dos recursos pelo poder público seja de conhecimento geral.
Dados da Sefaz (Secretaria de Estado da Fazenda) apontam que a indústria respondeu por 41,38% da arrecadação estadual em 2022, com R$ 6,63 bilhões. Além de sua contribuição significativa de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), principal tributo estadual em volume de recursos, o setor também contribui para o FTI (Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas), FMPES (Fundo de Apoio às Micro e Pequenas Empresas e ao Desenvolvimento Social do Estado do Amazonas) e para manutenção da UEA (Universidade do Estado do Amazonas).
Embora a Receita Federal não informe os dados por atividade econômica, sabe-se que o setor é o principal motor de recolhimento para a União, em âmbito estadual. De janeiro a dezembro de 2022, o fisco recolheu R$ 21,42 bilhões em tributos federais. Embora o desempenho tenha configurado uma queda de 1,91% ante 2021, o volume foi significativo, quando comparado aos saldos dos vizinhos da região Norte. As principais contribuições da indústria vieram da Cofins (R$ 444,74 milhões), do IRPJ (R$ 180,63 milhões), da CSLL (R$ 145,17 milhões), do PIS/Pasep (R$ 118,81 milhões), do Imposto de Importação (R$ 95,83 milhões), e do IPI (R$ 24,02 milhões).
O presidente da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas), Antonio Silva, destaca que é sempre importante lembrar que o Amazonas é um dos oito entes federativos que repassam à União valores acima do que recebem –e o único da região Norte que está nessa condição. O dirigente lembra que, somente em 2021, o Amazonas foi responsável por 48,71% da arrecadação da chamada 2ª Região Fiscal da Receita Federal –constituída também por Acre, Amapá, Pará, Roraima, Rondônia e Amazonas.
“Esse percentual equivale a mais de R$ 15 bilhões. Em contrapartida, o Estado recebeu R$ 4,7 bilhões, a título de repasse compulsório do governo federal, deixando um saldo superavitário de R$ 10,5 bilhões aos cofres da União. Isso demonstra que o Polo Industrial de Manaus não se configura como gasto tributário, mas como investimento, haja vista que só há atividade produtiva no Amazonas em decorrência do modelo vigente”, asseverou.
Sem reconhecimento
A ex-vice-presidente do Corecon-AM (Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas) e professora universitária, Michele Lins Aracaty e Silva, ressalta que os impostos gerados pela Zona Franca de Manaus são relevantes, não apenas para a economia estadual e regional, mas também para a economia brasileira como um todo. A economista lamenta, no entanto, que essa realidade não seja de conhecimento mais amplo, já que tal conhecimento poderia desarmar preventivamente qualquer ataque ao modelo
“A falta de reconhecimento das demais regiões brasileiras acerca da importância da ZFM se dá pela desinformação e pela ausência de um plano de desenvolvimento e integração regional mais transparente. Apesar de serem beneficiados pelo PIM, os Estados ainda se mostram atraídos pelos preços dos importados. Por isso, a competitividade é tão relevante para a ZFM, uma vez que os produtos já são reconhecidos pela qualidade. Só temos que garantir que sejam acessíveis e competitivos”, argumentou.
“Falta de informação”
Na mesma linha, a consultora empresarial, professora e integrante da seção regional da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia, Denise Kassama, pontua que, infelizmente, apenas os amazonenses e pouquíssimas pessoas fora do Estado defendem a ZFM. A economista lamenta que a visão mais comum reservada ao modelo seja meramente para sua renúncia fiscal, sem atentar a sua contribuição geral. Para ela, isso se deve à “falta de informação” sobre a economia do Amazonas e desconhecimento a respeito das dificuldades inerentes a uma capital encravada na maior floresta do mundo.
“Como você vai trazer desenvolvimento a uma região de logística difícil e cara? É mais fácil, realmente, atacar. Seria mais barato e mais cômodo que as fábricas estivessem no Centro-Sul do país, e mais próximas dos centros consumidores. Não veem que a Zona Franca tem papel extremamente importante para a região. O modelo, que poderia ser até melhor, é o principal vetor econômico da região, e sua ausência comprometeria a própria floresta. Mas, dificilmente vamos amolecer o coração do Sudeste”, lamentou.
Contrapartidas e contribuições
O ex-presidente do Corecon-AM, consultor empresarial e professor universitário, Francisco de Assis Mourão Júnior, enfatiza que a ZFM gera benefícios, mas também cobra contrapartidas, embora não responda com serviços públicos à altura. Ele recorda que o modelo foi criado com a concepção de que o Estado deixa de arrecadar, para motivar a vinda da iniciativa a Manaus, com geração de emprego e renda. Mas, salienta que, para as empresas usufruírem do incentivo, além de aprovarem o projeto, também são obrigadas a manter o seu cadastro na Suframa ativo, sendo necessário, para isso, que as mesmas tenham suas certidões federais e trabalhistas em dia.
“Isso gera uma arrecadação grande para a União, que só cai em momentos em que a produção do PIM encolhe. Mas, não percebemos o retorno desses impostos, de forma clara e eficaz. Mal vemos o repasse aos municípios, através de FPM e convênios fechados entre prefeituras e Estado, com a ajuda de nossos representantes em Brasília. Outra contribuição do modelo vem do contingenciamento das taxas da Suframa, cuja verba vai para o Tesouro, para pagamento da dívida interna. Seria muito bom se o dinheiro voltasse a ficar sob responsabilidade da autarquia, como era antes, gerando emprego e renda”, frisou.
Francisco de Assis Mourão Júnior aponta que a contribuição do PIM para a arrecadação estadual faz com que esta seja “pujante”, quando comparada a de outras unidades federativas da região Norte. “Isso se vê principalmente nos fundos, como o da UEA, que não é usado em sua totalidade. Temos também o FPMES, que serve para financiar o microcrédito e gerar atividade do setor primário, principalmente. E há o FTI, que era para gerar infraestrutura e fomentar o turismo no interior, mas que, infelizmente, também não está sendo empregado como deveria”, encerrou.