14 de setembro de 2024

Passos mais largos na inovação

Na contramão do mercado de trabalho, as lideranças femininas têm cada vez mais construído as investidas de sua própria inclusão para conquistar seu espaço, fato que se intensifica ainda mais em nichos considerados masculinos, como o de tecnologia e inovação. Mas, embora o contingente feminino seja crescente nas startups, o segmento ainda apresenta discrepâncias e desafios para as empreendedoras.

A engenheira eletrônica vice-presidente da Visto.Bio, sócia da Trinnovare Consultoria, sócia da Meryt e presidente do conselho do Polo Digital de Manaus, Vânia Thaumaturgo, observa que a área de tecnologia é conhecida por ser predominantemente masculina e, por conta disso, as mulheres ainda enfrentam desafios significativos nessa área. A lista citada pela empresária é grande e inclui falta de representação feminina, estereótipos de gênero e dificuldades para avançar na carreira.

“A falta de representação pode tornar as mulheres menos confiantes em ingressar na área e dificultar a construção de redes profissionais e oportunidades de mentorias. Elas também podem enfrentar a crença de que são menos habilidosas em tecnologia, ou que só são bem-sucedidas por causa de cotas. Há também preconceito em processos de seleção, oportunidades limitadas de promoção, discriminação e assédio. É importante que as empresas trabalhem para lidar com esses desafios e criar um ambiente de trabalho mais inclusivo e acolhedor para as mulheres”, listou. 

A executiva diz que há muitos exemplos de mulheres que ajudaram a tornar o mundo “um lugar melhor”, como a pioneira Marie Curie, física polonesa cujos estudos ajudaram a criar a base da física nuclear e as atuais máquinas de radiografia. Outro exemplo viria de Sarah Walker, a primeira empreendedora a se tornar milionária nos EUA, há cem anos, vencendo preconceitos por ser mulher e negra. “Essas são apenas algumas das tantas mulheres que fizeram nossa história, mas carecemos de mais mulheres na área de tecnologia. Elas representam cerca de 25% dos trabalhadores nesta área, tanto em Manaus, quanto em outras regiões do país”, argumentou. 

Presidente do conselho do Polo Digital de Manaus, Vânia Thaumaturgo (Imagem: Divulgação)

Vânia Thaumaturgo avalia que a presença feminina tende a crescer e observa que as mulheres já representam 41% do conselho de administração do Polo Digital de Manaus. “Há espaço para avanços significativos, porém é preciso que as meninas optem pela área de exatas, engenharia, tecnologia da informação, ciências da computação, pois é uma área em grande expansão, com empregos bem remunerados e sem fronteiras para o trabalho, em todos os sentidos”, exclamou. 

Inovação = diversidade

Executiva de Negócios na FPFtech Centro de Tecnologia e Inovação, Elaine Garcia, considera que a tecnologia ainda é uma área que afasta muitas mulheres, pela complexidade dos processos e pela velocidade das mudanças em um mercado “altamente competitivo”. Mas, a dirigente, que também é consultora na Axcell (aceleradora de negócios de impacto da biodiversidade amazônica) e diretora de Relações Institucionais na ABRH-AM (Associação Brasileira de Recursos Humanos – seção Amazonas), ressalva que o cenário vem mudando.

“Há uma forte correlação entre inovação e diversidade. Precisamos de diversidade para crescer e tornar os ecossistemas mais resilientes. Pesquisas apontam que as organizações precisam de pelo menos 20% de mulheres para começarem a ter impacto na produtividade do processo de inovação. Hoje, atuo em uma organização que tem 25 anos e que possui um grande diferencial nesse segmento. A FPF Tech alcançou esse equilíbrio, já que 50% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres”, ressaltou. 

A executiva aponta que mulheres e homens têm a mesma habilidade de crescer, e que a diferença entre os sexos nos cargos executivos seniores é cultural, persistindo devido a fatores externos que geram um caminho mais difícil para a mulher. “É mais desgastante lidar com duplas jornadas e estar sempre precisando se provar um pouco mais. Mas, o olhar feminino traz uma visão sistêmica do negócio. A leveza, empatia e cuidado também são relevantes e importantes. Algumas pesquisas apontam, que ter mulheres na liderança traz vantagens, pois há outra perspectiva em relação à gestão de pessoas, cooperação e empatia. As mulheres têm soft skills mais adequadas ao modelo de gestão atual”, explicou. 

Elaine Garcia enfatiza que o ecossistema de inovação é desafiador e que um dos maiores desafios é o desenvolvimento do networking. “A socialização masculina é histórica, os ritos entre homens são aceitos e incentivados. Outras barreiras são o medo de parecer ambiciosa e a dificuldade de falar das conquistas e lidar com os estereótipos de fragilidade. Para isso, só com exercício de autoconhecimento e quebra das barreiras mentais. A posição de protagonismo, e não de vitimismo, é o que nos faz avançar”, afiançou.

“Lugar importante”

A empresária Raquel Omena é CEO, sócia e cofundadora da Sonoraplay, plataforma de streaming exclusiva para artistas, cineastas e produtores audiovisuais independentes. Ela avalia que ser mulher e estar à frente de uma startup criada e comandada inteiramente por mulheres ainda é um “lugar importante”, já que o ecossistema da inovação é historicamente “povoado por homens”. Mas, destaca que o predomínio masculino não é um cenário exclusivo do segmento e acrescenta que, a tecnologia e a inovação têm atraído muitas mulheres, inclusive para postos de comando. 

Raquel, CEO da primeira plataforma de streaming para artistas independentes da região Norte (Divulgação)

“Apesar de ser mais difícil, sinto que estamos fazendo a nossa parte e abrindo portas. Há muitos novos modelos de negócios surgindo com mulheres à frente, e temos visto muitas startups surgindo. Vejo ainda mulheres brilhando em termos de organização, criatividade e gestão à frente de muitas empresas”, comemorou. “É assim que vejo o futuro: com mais mulheres se destacando em todos os segmentos. Partindo do princípio de que nós temos capacidade, criatividade, competência técnica e soluções inovadoras, podemos estar na posição de destaque, sim. Aliás, podemos estar onde quisermos”, enfatizou.

Vanguarda e machismo

A ex-vice-presidente do Corecon-AM (Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas) e professora universitária, Michele Lins Aracaty e Silva, diz que o cenário já é mais favorável, com um número mais expressivo de mulheres nas áreas da tecnologia e inovação. A economista ressalva, contudo, que ainda há muito o que se avançar. “Acredito que as mulheres estarão na vanguarda e farão toda a diferença no que tange a alavancar este segmento, bem como servirem de inspiração para novas mulheres”, frisou.

A consultora empresarial, professora universitária, conselheira do Cofecon (Conselho Federal de Economia) e integrante da seção regional da Abed (Associação Brasileira de Economistas pela Democracia), Denise Kassama, concorda que ainda há a predominância de um “machismo estrutural” no mercado de trabalho. “Quando saí da faculdade e entrei para consultoria, tinham costume de me chamar de ‘menina’, de um jeito carinhoso, mas também preconceituoso. Evidente que isso já foi pior, e a tendência é esse abismo reduzir”, finalizou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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