Nesta quarta-feira (7), o Mirante de Arte Mural Amazônica, criado pelo Circuito Urbano de Arte – CURA AMAZÔNIA, em 2023, e com vista do Largo São Sebastião, bairro Centro, zona sul de Manaus, se prepara para receber os artistas Duhigó e Rember Yahuarcani, que irão iniciar as pinturas das empenas dos edifícios Mônaco e Monte Carlo, respectivamente, localizados na avenida Getúlio Vargas.
O CURA AMAZÔNIA convoca a capital do Amazonas para viver, ao longo de 11 dias, mais uma transformação inspiradora da paisagem. Responsável pela empena do edifício Mônaco, Duhigó, nascida na aldeia Paricachoeira, município de São Gabriel da Cachoeira (distante 852 quilômetros de Manaus), é filha de pai Tukano e mãe Dessana.
Em Manaus desde 1995, Duhigó concluiu o curso de Pintura na Escola de Arte do Instituto Dirson Costa de Arte e Cultura da Amazônia, em 2005, e se tornou a primeira indígena da etnia Tukano a se profissionalizar nas artes visuais. De lá para cá, em suas obras, ela busca expressar a memória do seu povo e seus ancestrais para que a cultura Tukano não desapareça.
Importância
Já em 2018, ela se tornou a primeira artista Tukano a participar da Bienal Naifs do Brasil, a mais importante da América Latina, onde também expôs seu trabalho no ano de 2020. Em 2019 e 2020, ela também participou da exposição itinerante ‘VaiVém’, que circulou pelo Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, Belo Horizonte e Distrito Federal. Com a obra ‘Nepũ Arquepũ’ (‘Rede Macaco’, na língua Tukano), ela narra uma cena da sua infância que ficou guardada na memória: o ritual de nascimento de um bebê Tukano.
A obra foi adquirida por colecionadores, que a doaram para o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o Masp. Assim, ela se torna a primeira mulher indígena amazonense a integrar o acervo do mais importante museu da América Latina e do Hemisfério Sul. Em 2022, Duhigó entra para o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, com a obra ‘Máscara de Ritual I’, e em 2024, participa no Pavilhão da Bolívia na Bienal de Veneza, o mais tradicional e importante evento de artes visuais do mundo.
Quando perguntada sobre o poder da sua arte, ela se volta aos ancestrais. “Na minha vida, busquei, por meio do meu espírito, lembranças dos antepassados. E o que peço é força para que possa trazer coisas boas para a nova geração. Minha arte é um canal pra mostrar minha mente espiritual, dos meus antepassados”, comenta ela.
Potência
Responsável pela empena do edifício Monte Carlo, Rember Yahuarcani nasceu em Pebas, um distrito de Loreto, no Peru. Desde 2003, ele exibe individual e coletivamente em museus e galerias de arte na América Latina, América do Norte, Europa e Ásia e, em 2024, compôs a Bienal de Veneza, além de atuar como curador.
Ao chegar nesses espaços, potencializada por um movimento, uma corrente global de artistas, produtores, curadores e pensadores, a arte indígena tem sido uma poderosa ferramenta coletiva que propõe novos parâmetros para revisitar os cânones e possibilitando uma reflexão a respeito do que tem sido os últimos séculos de apropriação das estéticas, mitos, conhecimentos e medicinas.
Rember se junta a esta corrente e faz da arte indígena seu espaço de autorrepresentação, o primeiro espaço, segundo ele, em que foi permitido aos indígenas falar em primeira pessoa. O artista acredita que a arte, em especial, a pintura, permite a transmissão da voz dos ancestrais, em cada palavra, gesto e traço. Em sua obra, são os antepassados que falam em primeira pessoa. “Não há como convidar ao estético se não se fala de materiais e poderes invisíveis porque a arte indígena transporta o conhecimento dos nossos ancestrais”, conta.
Artista autodidata, Rember nasceu em família de artistas, carrega a técnica e as cosmovisões de seus antepassados. É na cosmologia Uitoto que ele encontra inspiração, principalmente nas cosmologias relacionadas ao clã Aymenú, ao qual pertence. “Minha obra é tudo o que vejo na floresta”. Em suas telas, está expressa a visão que oferece a floresta, seus mitos e histórias, onde se encontram todas as respostas. São conhecimentos vivos e em constante transformação, em que não se separa o material e o imaterial, o visível e o invisível.
Primeira edição
Em sua estreia na cidade, em 2023, o CURA AMAZÔNIA pediu licença para entrar no território histórico do Largo São Sebastião, complexo arquitetônico que abriga o patrimônio brasileiro. Lá, semeou pensamentos e imagens germinantes com saberes dos povos indígenas da Amazônia.
Aliando-se à cena local de arte urbana, o CURA, também em 2023, transformou duas empenas em murais de arte, com obras dos artistas indígenas: Denilson Baniwa, nascido em Barcelos (AM), e Olinda Silvano, do Peru. Trouxe ainda as “Entidades”, uma instalação do roraimense Jaider Esbell. Com eles, saberes e mistérios habitaram o Largo São Sebastião.