O governo do Amazonas se antecipa para enfrentar o desequilíbrio climático. O baixo índice pluviométrico da estação chuvosa em 2024 sinaliza que a estiagem deste ano poderá até superar a de 2023, quando pelo menos 880 mil pessoas ficaram praticamente isoladas no interior do Estado.
Ainda está viva na memória dos amazonenses, tanto da capital Manaus como em praticamente todos os municípios ribeirinhos (são 62, no total), o cenário de destruição que se abateu sobre a região. Águas deram lugar a imensos bancos de areia, impossibilitando a navegação fluvial.
Em certas áreas, só era possível chegar por via aérea. Reunindo pelo menos 500 empresas que gozam dos incentivos fiscais do modelo ZFM, a indústria local ficou sem insumos –grande parte das fábricas paralisaram suas atividades. Sem matéria-prima, foram obrigadas a dar férias coletivas a seus trabalhadores, ameaçando o abastecimento de produtos.
Desnorteadas pelos impactos bombásticos da vazante extrema (para muitos, surreal, mas a realidade estava a postos e visível), as autoridades pouco puderam fazer para chegar a um enfrentamento satisfatório da crise climática, recorrendo inclusive ao governo federal para costurar um plano de emergência que pudesse amenizar a situação caótica. Ribeirinhos gritavam por ajuda.
Ficaram sem água potável. Remédios e provisões desapareceram. O abastecimento feito pelas centenas de embarcações que percorrem águas caudalosas paralisou. Comunidades inteiras sentiram na pele o que é passar fome e sede, sem vislumbrar iniciativas a curto prazo.
Isso mesmo, ficar sedento em hidrografias tão vastas. Ninguém imaginava tanto uma hecatombe do clima. Aliás, o Amazonas é um dos maiores rios (senão o maior) do mundo. Em certos locais, é até difícil visualizar a outra margem. É como um mar de águas doces. Negro, Madeira Solimões, principais rios navegáveis, sucumbiram com as intempéries da natureza, que pegaram a todos de surpresa.
O planeta não aguenta mais tantas agressões. Em outros tempos, até se apostava na impossibilidade de uma bacia hidrográfica tão gigantesca secar em níveis que lembram (em alguns casos) desertos. Não duvidemos. É possível. O ano de 2023 foi marcado por tantas adversidades que surpreenderam o mundo todo.
“Vivo no interior desde a infância. Jamais vi um cenário tão devastador como a seca do ano passado”, diz Osaías Silva, agricultor de Benjamin Constant (distante 1.150 quilômetros de Manaus), um dos municípios mais atingidos pela vazante. “Agora, voltamos a ficar muito apreensivos. As chuvas deste ano foram muito poucas. E não duvido que a seca seja pior ainda mais em 2024”, acrescenta ele.
A cidade de Petrópolis, o lado peruano na tríplice fronteira (Brasil, Colômbia e Peru), já manifestou grande preocupação com a possibilidade de outra grande estiagem. Em um portunhol compreensível, Loreto Nartano compartilhou o mesmo temor. “Hermanos hay possibilidade de outra (outra) catástrofe, por supuesto”, admitiu. “Precisamos nos preparar. Nuestro alcaide (prefeito) já está tomando providências”, disse.
Plano de contingência
Ainda neste mês, o governador do Amazonas, Wilson Lima (UB), reuniu a Defesa Civil, empresários, políticos, enfim, grande parte das autoridades constituídas para definir um plano de ações preventivas contra a seca que se avizinha em 2024.
“Não queremos mais ser surpreendidos como em 2023. Já definimos medidas que possam auxiliar a população com a possibilidade de uma estiagem extrema, até superior à do ano passado, principalmente em relação aos municípios ribeirinhos”, anunciou ele.
O secretário de Defesa Civil, coronel Máximo, falou também sobre medidas emergenciais. “A entrega da síntese do prognóstico da estiagem marca mais uma etapa no processo de prevenção e planejamento. Nosso objetivo é reduzir os impactos potenciais e coordenar, em colaboração, um plano de ação essencial para assegurar o bem-estar da população”, explicou.
A Defesa Civil foi mais longe. Como prevenção, convocou todos os segmentos para alertar sobre a nova vazante. Compreensível, por ser o principal órgão mobilizado nessas situações. Reuniu diversos setores, incluindo Indústria e Empresas, Tribunal Regional Eleitoral, fornecedores de energia elétrica, saneamento e água, transporte e logística, prefeitos, secretarias, Ministério Público de Contas e companhias de telecomunicação.
O coronel Máximo explicou metas. “O objetivo dessas reuniões foi fornecer informações e coordenar ações de prevenção, preparação e mitigação, visando garantir que os serviços não sejam interrompidos”, esclareceu.
Redução no nível de chuvas é preocupação
É visível o desequilíbrio. O clima grita. A natureza reage bombasticamente. Quase todo o planeta registra ondas de calor extremo, seca atípica, inundações, como acontece neste momento no Rio Grande do Sul, que passou de um Estado próspero para uma situação de completa penúria, tamanha é a devastação em seus territórios.
Ruas alagadas, cidades destruídas, mais de uma centena de mortos, outros tantos desaparecidos. Um cenário de guerra que causa muito sofrimento. As terras gaúchas não vislumbram perspectivas, a curto prazo, para se recuperar do baque tsunâmico. O Estado está tão trôpego que mal dá para respirar, dependendo de doações de voluntários, de órgãos governamentais fora de sua jurisdição para pelo menos amenizar o problema. E a ciência alerta. Segundo órgãos meteorológicos, no primeiro trimestre de 2024, reduziu substancialmente o volume de chuvas em algumas calhas do Amazonas. O relatório do monitoramento hidrológico traz um cenário preocupante –o nível dos rios não alcançou o de outras épocas, principalmente agora em junho, já perto do início da vazante, que começa praticamente em julho.
As calhas do Médio Amazonas e Baixo Amazonas estão fora da curva para o atual período do ano. Mesmo em processo de enchente, seguem abaixo da média. As demais regiões apresentam cotas dentro do que se considera normal para o período, ainda assim o cenário é de uma recuperação discreta.
No Alto Solimões, Tabatinga (também na tríplice fronteira) registrou apenas um aumento de 14 centímetros no nível do rio. Com outras vias navegáveis registrando a mesma tendência de baixa, tudo indica que o Estado deverá enfrentar uma nova alta estiagem, deixando a população extremamente apreensiva, em especial a do interior, onde ribeirinhos dependem dos rios para os abastecimentos dos mais diversos produtos, que saem de Manaus em direção aos municípios interioranos.