13 de setembro de 2024

Reforma tributária: vantagens da ZFM em questão

Analistas ouvidos pela reportagem do Jornal do Commercio avaliam que o relatório da PEC da reforma Tributária, apresentado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), na semana passada, tem os vícios e virtudes de um texto que procurou agradar a todos os lados. A matéria recebeu pelo menos 537 emendas dos senadores, além de “contribuições” da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado. Embora destaquem acertos no parecer, as fontes manifestam dúvidas quanto à regulação das garantias das vantagens comparativas da ZFM e eventuais mudanças imprevistas no texto.  

A tramitação da PEC 45/2019 aproxima-se de sua suposta reta final, conforme o cronograma previamente acertado. O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), senador Davi Alcolumbre (UB-AP), concedeu vista coletiva para os senadores analisarem o conteúdo do relatório de Braga, antes da discussão e votação no colegiado, ambas previstas para o dia 7 de novembro. A votação em plenário deve ocorrer nos dois dias seguintes. Um acordo com lideranças partidárias e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, visa devolver a PEC à Câmara dos Deputados até 10 de novembro.

Na análise da assessoria econômica do senador Plínio Valério (PSDB-AM), o texto falha em propor a simplificação e a redução da carga tributária. A propositura somente faria uma “junção de impostos”, sendo que o IBS seria uma soma do ICMS e do ISS. “O ICMS poderia ser mantido, pelo menos por enquanto, desde que fosse uma legislação nacional. Isso evitaria 27 regulamentos, ainda que não resolvesse a guerra fiscal. O ISS poderia ser da mesma forma. O Brasil tem tributos demais que poderiam ser juntados em um só”, sugeriu.

Outro ponto crítico seria a opção de uma Cide para regular a ZFM. “Ela sofrerá as mesmas críticas do IS-ZFM, sendo que os manufaturados daqui terão alíquota zero ou isenção. Teremos os mesmos desgastes quando o governo da situação resolver alterar as alíquotas. Há também a questão da segurança jurídica. Uma indústria de drones que se instala em Minas Gerais, onde sabia que não haveria Cide, terá de pagar essa contribuição de uma hora para outra, se ele passar a ser fabricado em Manaus. Caso isso não ocorra, o que é bem possível, a lista ficará engessada aos bens hoje aqui fabricados”, exemplificou.

A assessoria informa que o senador já recebeu “muitas sugestões de emendas” para a PEC, e apresentou pelo menos cinco. Entre as mudanças propostas, estão o tratamento isonômico nas votações no Comitê Federativo do IBS entre as unidades federativas (Emenda 20) e o fim da exigência de redução de incentivos fiscais como contrapartida ao aporte adicional ao Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Amazonas (Emenda 21). “A votação deve ser rápida, sem muito tempo para discussões ou alterações. O Senado só vai encaminhar as matérias acordadas com o relator da PEC 45-A na Câmara”, apontou.

“Extrativismo e desmatamento”

Mais otimista, a ex-vice-presidente do Corecon-AM, e professora universitária, Michele Lins Aracaty e Silva, considera que o texto é um “marco para o Brasil” pois possibilita ajustes aguardados “há mais de 30 anos”, com mais transparência e quebra do paradigma da tributação em cascata. “Destaco a não incidência sobre energia e telecomunicações, bem como a incidência única sobre bens e serviços. Outro destaque é a definição de alíquotas sobre combustíveis e lubrificantes. O tratamento diferenciado acerca da cesta básica também foi um avanço”, listou. 

A economista ressaltou que as discussões da reforma devem ter como foco a geração de emprego e renda e o desenvolvimento e preservação ambiental. “Desde o início do processo de articulação da reforma, defendo ser imprescindível garantir as vantagens comparativas da ZFM. Com base em números, não há nenhum modelo de desenvolvimento regional que gere 102 mil empregos, com efeito multiplicador de 4 vezes, e com impacto sobre 71 municípios brasileiros. Sem o PIM, o extrativismo e o desmatamento seriam as alternativas regionais”, afiançou. 

O ex-presidente do Corecon-AM, consultor empresarial e professor universitário, Francisco de Assis Mourão Junior, destaca o Fundo de Sustentabilidade do Amazonas e a Cide. “Minha preocupação é que não há um valor estipulado para o Fundo, e ele vai ser usado para compensar quedas de arrecadação do Estado. Faltam ajustes que virão em leis complementares. Outro ponto que coloco é a substituição do IS pela Cide, para prevalecer os direitos da Zona Franca. Não tinha como ser o Imposto Seletivo, porque ele regula produtos de saúde e natureza e isso geraria um problema jurídico”, comentou. 

A consultora empresarial, professora e conselheira do Cofecon, Denise Kassama, se diz menos intranquila pelo fato de o relatório ter um capítulo inteiro sobre a importância da ZFM. “Temos pelo menos dois senadores do Amazonas, que conhecem bem o assunto, participando ativamente desse processo. Por outro lado, me preocupo porque tenho observado muitas críticas ao modelo, e muitas delas sequer conhecem a Zona Franca. Isso pode ser problema na hora da votação. Do jeito que está, o texto contempla bem os interesses do Amazonas, mas vamos ver se ele se mantém integro até o final”, ponderou.

“Esforço político”

O advogado, consultor e ex-deputado federal, Marcelo Ramos, elogiou o trabalho do senador Eduardo Braga, ao salientar que o texto dificilmente agradaria a todos os setores e regiões, mas ressaltou que ele gera preocupações, especialmente no caso da ZFM. “A Zona Franca sempre teve natureza constitucional para garantir suas vantagens comparativas. Mas, agora há uma mudança de status, porque esse diferencial dependerá de lei complementar. E isso vai depender de muito esforço da classe política amazonense, na etapa posterior à aprovação da PEC”, alertou.

Outro aspecto relevante destacado é que a PEC propõe acabar com todos os incentivos fiscais a partir de 2033 e essa medida, conforme Ramos, tenderia a gerar uma “hiper-concentração” da indústria no Sudeste. Um terceiro ponto citado pelo advogado é a mudança nos critérios de distribuição do Fundo de Desenvolvimento regional, que passa a levar em conta não apenas a regra da Confaz, mas também o tamanho da população do Estado. “Nessa situação, 11 unidades federativas ganham e 16 perdem, incluindo o Amazonas”, sentenciou.

O consultor diz também que já deixou de ter dúvidas quanto à aprovação da PEC. “Hoje, existem forças muito poderosas trabalhando pela reforma, como a grande indústria paulista, o mercado financeiro e os grandes meios de comunicação. O governo embarcou nessa proposta. O texto deve ser votado no Senado, ainda em novembro, e acredito que haverá um esforço muito grande para tentar promulgar antes do recesso parlamentar. Não é uma operação muito simples. Mas, diante dos acordos construídos no Congresso, acho que é um cenário possível”, finalizou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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