25 de novembro de 2024

Segmentos ameaçados no PIM

O Polo Industrial de Manaus chega às vésperas de mais um ensaio de reforma Tributária com um leque reduzido de atividades industriais e uma especialização involuntária em poucos segmentos. Uma quantidade minoritária, embora significativa dessas divisões industriais, já se encontra fragilizada pela crise aberta pelos decretos de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e demais medidas heterogêneas de abertura comercial unilateral implementadas pelo Planalto nos últimos anos. Lideranças da indústria argumentam, contudo, que é necessário chegar aos debates em torno da reforma pensando no PIM como um todo, pois é o modelo que corre perigo.

Publicado em 24 de agosto de 2022, e ainda vigente, o derradeiro decreto de IPI (11.982/2022) salvaguardou uma lista de 170 produtos do PIM, que respondem por mais de 90% de seu faturamento. A lista inclui concentrados, relógios de pulso, notebooks, circuitos impressos e aparelhos de reprodução de imagem e som. Mas, o Polo trabalha com um leque de 700 itens com NCM (Norma Comum do Mercosul) e PPBs (processos produtivos básicos), e uma lista considerável de manufaturados ficou de fora, bote salva vidas lançado pelo Planalto, a exemplo de bicicletas sem câmbio, aparelhos de ginástica, luminárias e alguns componentes, entre outros.

O ex-presidente do Corecon-AM (Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas), consultor empresarial e professor universitário, Francisco de Assis Mourão Júnior, ressalta que o Polo Industrial de Manaus tem atualmente um mix de produtos reduzido e, com poucos subsetores concentrando a maior parte do faturamento, produção e empregos do PIM. 

“Nossos carros-chefes são os polos de bens de informática, eletroeletrônicos, duas rodas e termoplásticos. Essa concentração demonstra a fragilidade do modelo e constitui insegurança jurídica. Enquanto não comprovarmos a importância da ZFM, vamos continuar passando por essas ameaças, em um ambiente de desindustrialização, e em que o superintendente da Suframa ainda não foi definido”, desabafou.

A ex-vice-presidente do Corecon-AM e professora universitária, Michele Lins Aracaty e Silva, diz que, dado o “intenso período de discussão”, ainda há muitas dúvidas em torno da formatação da reforma Tributária para se estabelecer quais segmentos serão mais impactados pela proposta. A economista, no entanto, salienta que é necessário buscar a garantia da competitividade aos subsetores que mais geram emprego, renda e receita.

“Mas, isso sem prejuízo aos demais. Todas as linhas de produção do Polo Industrial de Manaus têm a sua relevância dentro do modelo e juntos contribuem para a geração de emprego e renda e geram receita. A reforma Tributária precisa garantir a competitividade, os empregos e a preservação da floresta em pé e será mais um grande desafio a ser enfrentado pelo modelo ZFM”, afiançou.

Bicicletas e concentrados

A consultora empresarial, professora e integrante da seção regional da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia, Denise Kassama, concorda que as reduções implementadas pelo governo federal anterior nas alíquotas de Imposto de Importação e de IPI, entre outras medidas, tornaram alguns segmentos do PIM mais frágeis do que outros

“Recentemente, conversei com um empresário que é dono de uma fábrica de bicicletas no PIM. Ele estava lembrando quando o governo anterior tentou baixar drasticamente as alíquotas [de importação] para bicicletas e me disse: ‘tenho todo esse investimento em uma linha bem verticalizada, que gera 300, 400 empregos e tem de cumprir PPB. Enquanto isso, o cara de outra região vai poder importar os subconjuntos todos prontos, fazer a montagem final e competir com a Zona Franca. Esse é um segmento ameaçado, porque o governo anterior preferiu gerar emprego na China, para atender uma associação de importadores, em detrimento dos fabricantes brasileiros”, frisou.

A economista avalia que o polo de concentrados para bebidas não alcoólicas também está nessa lista e que “as constantes ameaças” são uma prova disso. “É verdade que o custo de insumos é muito baixo em relação ao preço de venda. Entretanto, temos de lembrar que o segmento é talvez o único do PIM, com a possível exceção dos fabricantes de pneus, a usar matéria-prima amazônica. Só por adensar a cadeia produtiva, gerando emprego no interior, a atividade já é fundamental. E isso a custo logístico significativo 

Denise Kassama lamenta que, embora o imbróglio em torno do IPI deixe a população do Amazonas apreensiva em relação à ZFM, não gere o mesmo efeito no restante do país. “Essa é uma questão que nos coloca contra o restante do mundo. Mas, acredito muito na sensibilidade do governo federal. O presidente Lula já afirmou que vai preservar os incentivos e o ministro da Economia, Fernando Haddad, também já deu essas declarações. A Zona Franca está no foco da equipe econômica, que deve buscar alguma alternativa ou paliativo, se a reforma ocorrer da forma que está sendo anunciada, com a extinção do IPI”, opinou. 

Riscos para todos

O presidente da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas), Antonio Silva, avalia que, ao menos no âmbito da reforma Tributária, não há um segmento do Polo Industrial de Manaus especificamente mais ameaçado do que o outro. Segundo o dirigente, o risco diz respeito única e exclusivamente ao modelo em si, uma vez que as propostas em discussão divergem acerca do alicerce principal da Zona Franca, que é a concessão de incentivos fiscais. 

“Os riscos existem. Algumas pessoas à frente das discussões já se posicionaram publicamente contrárias à concessão de incentivos fiscais e à própria ZFM, de forma que precisamos desmistificar que a PIM seja um peso para o país. Precisamos enxergar a Zona Franca como do Brasil. O Polo foi concebido como projeto estratégico do governo federal para a região, e não para incrementar a arrecadação. Seu conceito está alicerçado nos próprios objetivos da República Federativa do Brasil, disciplinados pela Constituição. Talvez fosse oportuno pautarmos a discussão pela ótica extrafiscal, em vez do viés fiscal”, recomendou.

Na mesma linha, o presidente da Aficam (Associação dos Fabricantes de Insumos e Componentes do Amazonas), Roberto Moreno, também prefere não fazer considerações em torno de vulnerabilidades pontuais da indústria incentivada. “Todos segmentos são importantes e contribuem com sua parcela na economia. Mas, não quero nem imaginar qualquer fatiamento de propostas que não contemple toda a ZFM. Por isso, acho que tem que haver muita ponderação pelas autoridades em resolver essa questão de forma mais equânime possível”, finalizou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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