15 de setembro de 2024

Sem espaços para redução de juros

Financiamento imobiliário dispara, mas alta de juros e desemprego são alerta

Economistas e lideranças classistas do setor produtivo amazonense são unânimes em avaliar que o Copom tinha pouco a fazer em relação à Selic, a não ser manter a taxa nos atuais 13,75% ao ano, em sua reunião mais recente. Embora o entendimento geral ainda seja de que o ponto de ruptura na atividade econômica  já foi ultrapassado, as fontes ouvidas pela reportagem do Jornal do Commercio concordam que o repique inflacionário, o fim das desonerações tributárias e serviços básicos, as idas e vindas na PEC do Teto de Gastos, e a piora da conjuntura internacional não deixam espaço para reduções de juros antes do segundo trimestre de 2023.

A despeito do repique inflacionário detectado em outubro, a decisão do Comitê de Política Monetária de segurar novamente a Selic ocorreu novamente por unanimidade, na reunião da semana passada. Essa foi a terceira vez seguida em que o BC não mexe na taxa, que permanece desde agosto nesse patamar, o maior desde janeiro de 2017. De março de 2021, a agosto de 2022, a taxa saltou de 2% para o nível atual, em ciclo iniciado em meio a à escalada dos preços de alimentos, energia e combustíveis.

Assim como nas últimas vezes, o Copom manteve o aviso que poderá voltar a aumentar a Selic caso a inflação não caia como esperado, alerta reforçado na ata divulgada nesta terça (13). Em seu comunicado, o comitê citou “a elevada incerteza” sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais adicionais”, como fatores que aumentam o risco de a inflação subir. Em contrapartida, mencionou uma eventual queda no preço das commodities e uma “desaceleração mais acentuada na economia global” como elementos que podem empurrar a inflação para baixo.

“Muitas interrogações”

O vice-presidente da Fieam, Nelson Azevedo, considera que segurar a Selic foi uma decisão natural, dado que há “muitas interrogações” em torno de 2023. “Os números revelados pela equipe da transição do novo governo, longe de clarear, estão contribuindo para aumentar as incertezas. O BC paga pra ver o que vai acontecer. Os dados relativos à crise social estão sendo colocados em primeiro lugar e não há como ser contra uma realidade tão adversa”, apontou. 

O dirigente observa, por outro lado, que a PEC do Teto de Gastos foi aprovada em primeiro turno, no âmbito do Senado, com votação folgada e espera que isso se repita na Câmara dos Deputados. “Isso vai injetar novo ânimo na economia. O momento exige união política e pacificação nacional. A partir disso, e com o apoio externo representado por algumas movimentações de apoio ao novo governo, temos razões para acreditar numa estabilização a médio prazo da economia”, amenizou.  

Azevedo lembra, entretanto, que os obstáculos ao corte da Selic são globais. “Há uma tendência na Europa Ocidental para refluir os movimentos da invasão da Ucrânia e recuperar a indústria no Ocidente, especialmente a partir dos EUA. Sobretudo por conta da quebra da cadeia global de suprimentos, a partir da crise chinesa, sanitária, logística e tarifária. É uma chance de empinar a reindustrialização do país e de revitalização do PIM. Por tudo isso, não havia nada a ser feito pelo BC, no momento”, justificou.

“Consequências drásticas”

O presidente em exercício da Fecomércio-AM, Aderson Frota, concorda que a disparada das commodities e seus efeitos sobre o encarecimento de fretes, combustíveis e demais produtos gerou um processo inflacionário que teve de ser contido pelos aumentos consecutivos da Selic. Mas, avalia que a dosagem foi excessiva, ao gerar também uma escalada no endividamento e inadimplência das famílias. “A sinalização do BC, de que pode voltar a aumentar os juros é preocupante, porque isso derruba a economia, ao causar consequências drásticas no consumo, reduzir a arrecadação, e gerar desemprego”, listou. 

Na mesma linha, o presidente do Sinduscon-AM, Frank Souza, também considera que seria desejável que a Selic baixasse, mas entende que foi mantida em face das incertezas em torno da PEC do Teto de Gastos. “Agora se fala até em aumento de impostos, e isso impacta em todas as cadeias produtivas, encarecendo os produtos, enquanto o dinheiro se mantém caro. E há muita inadimplência no mercado, o que inibe novos investimentos. Acho que só teremos alguma sinalização de previsibilidade em janeiro, para que possamos dar um gás na economia. Mas, vai depender do novo governo”, frisou. 

“Incerteza e riscos”

A ex-vice-presidente do Corecon-AM, e professora universitária, Michele Lins Aracaty e Silva, avalia que a decisão do BC foi embasada em um cenário de incerteza e de risco elevado, mas também sinaliza ao mercado que o esforço de segurar a inflação ainda faz parte dos desafios da autoridade monetária. “Outra preocupação é o peso da inflação sentido pelo consumidor. Em relação à atividade econômica, estima-se um crescimento do PIB nos patamares de moderado a fraco. Mas, fraco ou moderado não deixa de ser crescimento e é importante para o pós-pandemia”, ponderou.

A economista estima que o cenário econômico dos próximos meses será de taxas elevadas até o final do primeiro trimestre de 2023, com uma tendência de queda gradativa no segundo. “Ressaltamos que o cenário de recessão internacional em 2023, já alertado pelo FMI, é um dos parâmetros que serve de balizador da autoridade monetária. Já os juros bancários que incidem sobre os empréstimos de pessoa física e jurídica devem continuar em patamares elevados. Estes são balizados pela taxa Selic, mas o que realmente influencia a sua elevação é o risco de inadimplência”, analisou.

“Disparada da inflação”

Para o ex-presidente do Corecon-AM, consultor empresarial e professor universitário, Francisco de Assis Mourão Júnior, a decisão do Copom se baseou também no fato de que a vigência da lei que concede incentivos federais e redução de alíquotas de ICMS caduca no fim deste ano, assim como nas incertezas em relação à política econômica do novo governo. “Entre os fatores externos, temos a guerra na Ucrânia e as economias europeias e americana entrando em recessão. É triste, mas provavelmente vamos ter uma nova disparada na inflação, logo no começo do ano”, alertou. 

Já a consultora empresarial, professora e integrante da seção regional da Abed (Associação Brasileira de Economistas pela Democracia), Denise Kassama, considera que o Copom procurou não apontar novas tendências para o próximo ano, que terá também um novo governo. “Fato é que os juros bancários estão bastante salgados e isso ocorre não apenas pela Selic, mas também pela inadimplência, que decorre de uma renda baixa e desemprego alto. Esperamos uma reversão desse quadro, pois a taxa básica precisa baixar. Precisamos buscar outro mecanismo de combate à inflação que não penalize a atividade econômica e a população de baixa renda”, arrematou. 

Reportagem: Marco Dassori

Twitter: @marco.dassori

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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