16 de setembro de 2024

Terminal pesqueiro de Manaus é privatizado

O Terminal Pesqueiro de Manaus foi arrematado nesta sexta (11), na B3 (bolsa de valores do Brasil), em São Paulo. O vencedor foi a Amazon Peixe e Aquicultura, que desembolsou R$ 126.991,07 por uma concessão de exploração, revitalização, modernização, operação, manutenção e gestão da estrutura nos próximos 20 anos. A oferta representou ágio de 48,23% sobre o valor proposto no edital (R$ 85 mil). A mesma empresa arrematou também o terminal de Belém (PA) por R$ 140.757,74, para o mesmo período, e com acréscimo de 50% no preço. A iniciativa privada deve promover novos aportes, ao longo da duração do contrato, para tornar a estrutura operacional.

Foi oferecido ainda um terceiro lote, que teve como objeto o terminal pesqueiro de Vitória (ES), e que foi vencido pela empresa Himalaia Refrigeração e Conservação, com proposta de outorga (R$ 1,003 milhão) 100.299.900% mais cara do que a expectativa. A licitação foi promovida pela SAP (Secretaria de Agricultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e pela Seppi (Secretaria Especial do Programa de Parceria de Investimentos) do Ministério da Economia, na primeira vez em que a B3 sedia um certame do gênero.

Reportagem do Jornal do Commercio, publicada em janeiro, já mostrava que o anúncio da licitação dividia o setor. Gestores e especialistas já defendiam a privatização como único caminho, enquanto os pescadores viam na iniciativa um estreitamento de mercado e maiores dificuldades operacionais. Fruto do anseio antigo de reduzir o desperdício de produção, a estrutura teve seus trabalhos de construção concluídos em 2005, ao custo de mais de R$ 12,53 milhões, na época. O que parecia a realização de um sonho, se tornou um pesadelo jurídico com virtual inoperância. 

A pressão pelo repasse à iniciativa privada teria vindo do TCU (Tribunal de Contas da União). No caso de Manaus, o órgão já havia determinado que o governo federal adotasse todas as medidas cabíveis para sua entrada em operação. Mas teria identificado também que a estrutura não tem licenciamento ambiental, embora conte com Cadastro Técnico Federal do Ibama –mas o Certificado de Regularidade estaria vencido. A área também estaria contaminada, além de não dispor de SIF (Serviço de Inspeção Federal). Sem ser oficialmente inaugurada, a balsa da estrutura acabou sendo ocupada pelos pescadores.

Melhorias na infraestrutura

Em texto divulgado no site do Mapa, o secretário de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Jr, destacou que atualmente há vários terminais pesqueiros públicos inativados. Por isso, ele avalia que a gestão privada deverá promover melhorias na infraestrutura dos portos, garantindo mais apoio aos pescadores e aumentando a eficiência do setor. E lembra que aproximadamente 30% do que é pescado no Brasil é descartado por falta de condições. 

“O pescado vai chegar mais barato na mesa do consumidor. Quando nós temos infraestruturas próximas de onde a pesca acontece, naturalmente os custos de operação do pescador serão reduzidos, sua produtividade vai aumentar e isso impacta nos custos de produção e no preço final para as feiras livres, para os mercados e para as gôndolas”, frisou. 

O superintendente federal de Agricultura no Amazonas, Guilherme Pessoa, disse à reportagem do Jornal do Commercio que a concessão do terminal à iniciativa privada é um “momento muito significativo” para o setor pesqueiro no Amazonas. No entendimento do dirigente, “finalmente” há perspectivas concretas de que o terminal vai receber os investimentos necessários à sua estruturação, o que deve impactar positivamente na vida de milhares de pescadores amazonenses. 

“É importante registrar o brilhante trabalho da equipe técnica da SAP/Mapa, conduzida pelo secretário Jorge Seif, bem como pela equipe do PPI, sob o comando da secretária Martha Seillier. Cabe também parabenizar a Amazon Peixe Aquicultura, pelo espírito empreendedor e coragem para se lançar a esse grande desafio. Desejamos muito sucesso aos diretores e aguardamos que a gestão se dê de forma participativa e socialmente justa, mantendo diálogo constante com os profissionais da pesca e seus legítimos representantes”, declarou.

Diálogo e conta

Na mesma linha, o titular da Sepa (Secretaria Executiva Adjunta da Pesca e Aquicultura) da Sepror (Secretaria de Produção Rural do Amazonas), Leocy Cutrim, se mostrou otimista e esperançoso em relação à nova etapa e colocou o governo do Estado à disposição no que for possível para tornar a gestão do Terminal Pesqueiro de Manaus efetiva e eficiente. O dirigente acrescentou ainda que está nos planos de médio e longo prazo do Executivo, a construção de um novo terminal para atender à demanda crescente do setor.  

“Espero que tudo dê certo e possibilite a consolidação do terminal, com a oferta dos serviços planejados durante sua construção. Espero também que os trabalhadores estejam abertos ao diálogo com a nova gestão, para que a transição possa se dar da melhor forma possível. Tem que haver diálogo”, asseverou.

O ex-superintendente da Conab, administrador com especialização na gestão de informação ao agronegócio familiar e empresarial, e colaborador do Jornal do Commercio, Thomaz Meirelles, comemorou a notícia. Segundo o especialista, por conta da “novela” em torno da estrutura, o prédio do terminal nunca funcionou, nem sequer foi equipado com câmaras frigoríficas, estrutura de beneficiamento e escritórios para tanto. A balsa, por outro lado, estaria sendo usada pelos pescadores, para o uso de “embarque e desembarque”.

“Muito boa essa notícia de que houve interessado no leilão é que o nosso terminal pesqueiro já tem concessão formal por 20 anos. Foi acertada a decisão do governo federal em razão da nossa incompetência em não ter usado esse terminal, durante longos anos. Aliás, nem inaugurado foi. Espero que os investimentos sejam feitos pelo arrematante e que venha também a beneficiar o pescador, manejado, piscicultor e consumidor. Por fim, quero saber quem vai pagar a conta dos R$ 18 milhões investidos no TPP”, arrematou.

“Lugar para encostar”

Já o presidente da Fepesca (Federação dos Pescadores dos Estados do Amazonas e Roraima), e ex-deputado estadual, Walzenir Falcão, reafirmou que sempre foi contra a privatização, por considerar que a entrada da iniciativa privada vai piorar um cenário que já é ruim, “por falta de interesse político” dos governos. No entendimento do dirigente, a demanda vai até aumentar, mas o pescador vai ficar “sem lugar para encostar”, dificultando o acesso dos feirantes ao pescado, já que o “interesse de qualquer empresa é o lucro”. 

Como consequência, a mudança de cenário limitaria a margem de ação e os ganhos dos pescadores, além de reduzir a variedade de oferta de pescados, em função de uma gourmetização do mercado. “Peixes populares, como jaraqui, bodó, acari e pacú não vão ter mais vez. Vai ter espaço apenas para pescados de maior valor, como pirarucu, tucunaré e tambaqui, e os preços vão subir”, encerrou, acrescentando que aguarda resposta do governo do Estado para a oferta de um outro local e estrutura para que os pescadores possam fazer o desembarque e armazenamento dos peixes.

A reportagem do Jornal do Commercio tentou falar com os administradores da Amazon Peixe e Aquicultura para saber deles quais os planos da futura gestão, mas não conseguiu retorno até o fechamento desta edição.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio

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