Com 40,8 mil habitantes, dos quais 20 mil só na área urbana, o município de São Gabriel da Cachoeira (a mais de 862 quilômetros de Manaus) conseguiu o que ainda hoje representa um grande desafio para as cidades ribeirinhas no Amazonas – a testagem em massa da população que permitiu a detecção da Covid-19 ainda em sua fase inicial.
A medida colocou a cidade mais indígena do Brasil, localizada a noroeste do Amazonas, na liderança do ranking proporcional de diagnósticos da doença. Segundo o secretário municipal de Saúde, Fábio Sampaio, os testes possibilitaram uma ação mais imediata, efetiva, para salvar vidas de pessoas acometidas pelo novo coronavírus.
“A testagem permitiu que tivéssemos uma noção real do problema e, com isso, conseguimos evitar mortes e prevenir novos casos”, explica ele. Pelo menos 96% das pessoas foram testadas na cidade. Em 21 dias, de 18 de maio a 8 de junho, o total de infectados saltou de 366 para 2.299, um recorde em termos de regiões com populações tão pequenas.
Os números dão uma média de 511 casos para cada 10 mil habitantes. Mas a dimensão real do problema só veio mesmo à tona com a testagem em massa da população, ressalta o secretário Fábio Sampaio. As pessoas foram testadas de 26 a 29 de maio. “Essa mobilização ajudou o município a reduzir a mortalidade pelo novo coronavírus. As autoridades de saúde puderam agir de imediato, detectando precocemente a doença. É mais fácil evitar a morte do paciente quando a Covid-19 ainda está no começo. E essa constatação pudemos verificar no dia a dia”, acrescenta ele.
O secretário disse que a prefeitura decidiu investir nos testes ao perceber uma alta da pandemia em maio. E aproximadamente 1.705 pessoas se submeteram ao procedimento, com 65% delas testando positivo para a Covid-19.
O baixo índice de isolamento social e a chegada de pessoas de outras cidades permitiram a expansão da doença na cidade ainda no começo da pandemia. Mas o município agiu rápido, salienta o secretário. O acesso à cidade é feito por embarcação e avião.
Outro dado relevante na cidade: 98% dos infectados vivem na área urbana de São Gabriel da Cachoeira. Segundo o secretário Fábio Sampaio, o município já realizou 3 mil testes para o novo coronavírus desde o início da pandemia da doença. “Apesar do número alto de casos, registramos um índice de mortalidade baixa, o que significa que houve não somente o diagnóstico, mas também o tratamento”, salienta.
Além da testagem em massa, o município montou um centro de referência para atendimentos 24 horas – são seis leitos de unidade de cuidados intermediários, contendo respiradores. Não há, porém, leitos de UTI. E os pacientes mais graves são transportados para serem atendidos em Manaus.
Ao todo, incluindo as umidades de cuidados intermediários, São Gabriel conta com 60 leitos. Inicialmente, eles ficaram lotados, levando a um colapso do hospital. Agora, porém, esvaziaram com o reforço nas medidas de atenção básica que incluem a testagem da população em massa e o centro de referência 24 noras, de acordo com o secretário.
São Gabriel da Cachoeira também decretou lockdow durante um mês, proibindo a circulação de carros, pessoas e a venda de bebidas alcoólicas. O município está preocupado com as comunidades que vivem na zona rural da cidade, onde foram confirmados 30 casos da Covid-19.
Ações governamentais
O governador do Amazonas, Wilson Lima, ressalta que seu gabinete de crise acompanha de perto a situação do interior, em todos os municípios do Estado. “Para lá, estamos enviando mais equipamentos, novos profissionais e ainda equipamentos de proteção individual para médicos, enfermeiros e seus auxiliares. A população pode ficar tranquila. Nosso principal objetivo é conter o avanço da doença e prestar assistência a todos”, disse.
O reitor da UEA (Universidade do Estado do Amazonas), Cleinaldo Costa, reforça a defesa de que só a testagem em massa pode conter o avanço da Covid-19. “China, Coreia do Sul, países da Europa e outras grandes nações europeias conseguiram controlar a doença com o diagnóstico precoce, permitindo uma ação mais rápida, salvando mais vidas, além de evitar o surgimento de novos casos”, avalia.
As populações dos municípios de Tabatinga, Benjamin Constant, no Alto Rio Solimões, e Atalaia do Norte, no Alto Rio Javari, reforçam as medidas para conter o avanço da Covid-19, principalmente entre as comunidades indígenas, que são as mais afetadas.
Com menos imunidade, em tese, os índios são mais vulneráveis à doença. Some -se a isso a grande diferença cultural em relação aos não-índios sobre hábitos e costumes, o que facilita o contágio.
Em geral, poucos indígenas aceitam as determinações de usar máscaras, álcool em gel e outras medidas preventivas, fundamentais para combater o novo coronavírus, segundo ribeirinhos. “Índio não pega esse vírus. Só o homem branco adoece”, disse um tikuna, segundo relatou um morador de Benjamin Constant, que pediu para não revelar o seu nome. “Foi a resposta que ele me deu ao sugerir que usasse a máscara”.
Benjamin Constant já registra pelo menos mil casos da doença, indicam as estatísticas oficiais. O município também restringiu a circulação de pessoas, obrigou o fechamento de bares, mantendo apenas serviços essenciais, como orienta o Ministério da Saúde.
E o mesmo fizeram Tabatinga e Atalaia do Norte – este último criou barreiras na estrada para impedir a circulação de pessoas vindas principalmente de Benjamin Constant. Atalaia e Benjamin são ligadas por uma estrada. Em outras épocas, a rodovia era um ‘tapete’, mas hoje está carcomida por não receber os reparos necessários.
Até o final de maio, Atalaia do Norte contabilizava apenas oito casos de Covid-19. Os barcos que trafegam pelo Rio Amazonas, oriundos principalmente da capital, Manaus, também foram impedidos de circular na região da tríplice fronteira para conter o avanço do novo coronavírus, na região do Alto Rio Solimões e do Alto Rio Javari.
Entre os três municípios, Tabatinga lidera o ranking de casos de Covid-19 no Alto Rio Solimões e no Alto Rio Javari – já contabiliza 1.114 infectados. Isso só até esta quarta-feira (10).