Os trabalhadores querem voltar a ser ouvidos na formulação de políticas industriais. Representantes da Industrial Brasil estiveram na semana passada em Manaus para formar um grupo de trabalho para encaminhamentos de pleitos que serão integrados a uma pauta, a ser encaminhada em reuniões tripartites com representantes de empresas e governos. A entidade criada há dois anos e que congrega confederações como a CUT (Central Única dos trabalhadores) e Força Sindical, além de sindicatos das indústrias metalúrgicas, química, têxtil, de vestuário, de produtos alimentícios, da construção e de energia.
O Amazonas foi apenas uma das muitas escalas da comitiva integrada pelo presidente da Industrial Brasil, Aroaldo Oliveira da Silva, e pelo secretário geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, Loricardo de Oliveira. Antes disso, o grupo já havia promovido seminários em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. “Manaus tem uma característica muito particular, que é a Zona Franca. Então, a gente tem de olhar com muito cuidado. Por isso, escolhemos a cidade como um dos centros com os quais queremos dialogar”, explicou o Silva, acrescentando que o próximo Estado a ser visitado é o Ceará.
Os debates locais tiveram a participação de lideranças dos sindicatos de vários segmentos do PIM, a exemplo dos metalúrgicos, termoplásticos, indústrias extrativas, e do polo naval, entre outros, que representam ao menos 80 mil trabalhadores formais do Polo. O foco de preocupações locais é a sobrevivência e o crescimento da ZFM nos próximos anos, bem como os gargalos de infraestrutura logística e de burocracia para elaboração de novos PPBs – que possibilitariam a abertura de leque de produtos da indústria incentivada de Manaus.
“A meta é enxergar um pouco melhor a realidade local para a gente agregar essas informações, ideias experiencias ao plano Indústria 10+. A gente está realizando alguns desdobramentos. Vamos organizar um grupo de trabalho para podermos dialogar com o poder público estadual e com as entidades patronais da indústria, para podermos começar a pautar os temas que os trabalhadores tem discutido”, explanou.
Plano Indústria 10+
Segundo o sindicalista, o Plano Indústria 10+ é um conjunto de diretrizes e proposições do movimento sindical para a elaboração de políticas, programas e ações orientados à reconstrução da indústria brasileira. O plano foi concebido a partir da perspectiva dos trabalhadores e trabalhadoras e está articulado com o projeto de desenvolvimento econômico e social que busca a melhoria da qualidade de vida da população brasileira, com redução das desigualdades e distribuição de renda, que seja ambientalmente sustentável e considere as necessidades e potencialidades das diferentes regiões do país.
Documento fornecido pelos dirigentes à reportagem do Jornal do Commercio enfatiza que, entre todas as atividades econômicas, é a indústria que tem maior capacidade de alavancar outros setores, porque cria e recria produtos, insumos, tecnologias e processos, além do seu potencial expressivo de geração de empregos diretos e indiretos, incluindo a criação de ocupações mais qualificadas.
Dados extraídos de indicadores do IBGE e RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) apontam que a indústria de transformação brasileira representa 11,3% do PIB, 15,5% do emprego formal, 14,3% da massa salarial, e 46,2% das exportações. Números da CNI (Confederação Nacional da Industria) revelam, por outro lado, que cada R$ 1 produzido na indústria implica na injeção de R$ 2,63 na economia nacional.
“O Brasil já se posicionou entre as principais economias industriais do mundo, mas o processo de desindustrialização tem reduzido a relevância do setor na economia nacional. Por isso, o objetivo da proposta é recuperar a capacidade de produção da indústria brasileira, tomando os próximos dez anos como o ‘momento de irada’, com a adoção de medidas que recoloquem o país entre os principais fabricantes industriais do planeta”, frisou o texto do documento.
O presidente da Industrial Brasil reforça que o Plano Indústria 10+ é baseado em diretrizes, como a geração de “emprego de qualidade”, qualificação profissional, e no readensamento das cadeias de valor, entre outros vetores, que são desdobrados em diversas ações. Segundo o dirigente, o plano está calcado no debate da “economia de missões” e na diretiva de que é necessário organizar a política industrial não apenas por cadeias setoriais, mas por demandas sociais – como habitação, saneamento e mobilidade, entre outros. “A partir daí, a ideia é organizar as cadeias de valor, observando as particularidades regionais e a micro e a pequena empresa. Isso tudo com um viés muito forte nas novas tecnologias e na inovação, e sabendo que o debate da macroeconomia influencia muito nesse momento”, considerou.
ZFM em foco
Entre os principais temas levantados em Manaus, conforme o sindicalista, está o próprio futuro da Zona Franca, em meio aos debates de reforma Tributária e a demanda por redução de renúncia fiscal. Os entraves na infraestrutura e na logística para escoamento de produção também foram foco de preocupações e sugestões dos trabalhadores da indústria incentivada da capital amazonense, assim como o aprofundamento do debate para a criação de PPBs para novos produtos da ZFM. “Porque a gente comparou a balança comercial do Amazonas e verificamos que ela é muito deficitária. Por isso, precisamos dialogar sobre isso e pensar como podemos adensar as cadeias de produção”, frisou.
Segundo Aroaldo Oliveira da Silva, após o movimento sindical ter apontado diversas questões locais, a tarefa agora é levar esse debate às lideranças empresariais da indústria e dar vazão à pauta de forma tripartite, incluindo governo, trabalhadores e empresas. “Temos muita expectativa para 2023. Vivemos um momento muito forte de desindustrialização. Nos últimos seis anos, quase 40 mil fábricas foram fechadas no Brasil. Esperamos que, com o novo governo, possamos organizar essa pauta”, afiançou.
O consultor econômico e coordenador regional da Abed (Associação Brasileira de Economistas pela Democracia) no Amazonas, Inaldo Seixas, também participou dos trabalhos. Ele conta que os encaminhamentos de demandas industriais tripartite não são incomuns no mundo internacional. “Na União Europeia e nos Estados Unidos, assim como no mundo todo, os trabalhadores são chamados a compor conselhos e fóruns de debate para tratar de políticas industriais, coisa que devemos voltar a ter. Sabemos que o Estado é fundamental, não para ocupar o espaço empresarial de produção, mas para incentivar os setores que serão os geradores de inovação e que seja capazes de competir em âmbito global”, finalizou.
Por Marco Dassori
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