Tradição e Resistência nas Feiras do Festival

Em: 26 de junho de 2025

Enquanto a ilha se prepara para o 58º Festival Folclórico, a efervescência não se limita apenas ao Bumbódromo. No complexo de pontos de artesanato localizado na Praça da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, monumento que divide a cidade em vermelho e azul, as feiras se tornam um epicentro vibrante de cultura e economia. Aqui, as mãos dos povos originários tecem não apenas artefatos, mas a própria essência de suas tradições. Em meio à rivalidade acirrada entre Garantido e Caprichoso, que culmina nos dias 27, 28 e 29 de junho, o artesanato indígena emerge como uma ponte vital entre o passado e o presente, a ancestralidade e o sustento.

É nesse cenário que a riqueza cultural das tribos ganha visibilidade. Índios da etnia Sateré Mawé, Tikuna, Maraguá, Mura, entre outras, expõem seus trabalhos com orgulho. A oferta é vasta e cativante: adereços tradicionais como cocares intrincados, colares de sementes e penas, brincos e pulseiras que carregam a cosmologia de seus criadores. Cada peça é um fragmento de história, um elo com a floresta e os saberes milenares. A madeira entalhada, a palha trançada e as sementes coloridas transformam-se em verdadeiras obras de arte que atraem turistas e moradores, ansiosos por levar um pedaço autêntico da Amazônia.

A Arte na Pele: Grafismos que Contam Histórias

Além dos objetos, uma das maiores atrações e formas de expressão é a pintura corporal em grafismos. Com tinturas naturais extraídas de jenipapo e urucum, os artistas transformam a pele em tela, desenhando padrões geométricos e simbólicos que representam a natureza, ritos de passagem, proteção e a identidade de cada etnia. É uma experiência imersiva e profundamente significativa para quem busca mais do que um souvenir.

É nesse universo que encontramos Kiã Sateré Mawé, uma artista talentosa que possui uma trajetória notável. “Trabalho com grafismos desde os 12 anos, aprendi na minha comunidade. É a nossa forma de expressar quem somos, de manter viva a nossa cultura”, relata Kiã, enquanto habilmente desenha complexos traços no braço de um turista. Ela explica o boom da demanda durante o festival: “Nessa época do festival, estamos atendendo quase cem pessoas por dia. Os valores variam entre R$ 20 e R$ 100, dependendo do tamanho e da complexidade da pintura.”

A fala de Kiã não apenas revela a intensidade do trabalho, mas também a importância econômica do festival para essas comunidades. A arte, para eles, é um meio de subsistência digno, que permite a manutenção de suas tradições e a geração de renda diretamente ligada à sua ancestralidade. A procura pelos grafismos vai além da estética; é um reconhecimento da arte indígena como parte integrante da experiência do Festival de Parintins, uma celebração que transcende a rivalidade dos bois para abraçar a riqueza da cultura amazônica em sua totalidade.

As feiras de artesanato na Praça da Catedral de Nossa Senhora do Carmo são, portanto, muito mais do que pontos comerciais. São espaços de resistência cultural, onde a memória e o futuro dos povos originários são pintados, esculpidos e celebrados a cada peça vendida, a cada traço na pele, reafirmando a Amazônia viva e pulsante em seu mais grandioso festival.

 

Mônica Freires

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