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“Um período de recessão mais intensa”

Ano passado o Amazonas conheceu a pior vazante de seus rios desde que a medição começou a ser feita, no Porto de Manaus, em 1902. Este ano as projeções mostram que a vazante poderá ser ainda pior. Mas o que está acontecendo com a região das águas? Na entrevista, a seguir, do meteorologista Renato Cruz Senna, ao Jornal do Commercio, ele explica o que está ocorrendo, mas não tem ideia do que pode ocorrer num futuro próximo. Renato é coordenador de hidrologia do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).  

Jornal do Commercio: A vazante do Negro começou no dia 23 de junho, com 26m84. Ano passado, na mesma data, estava em 28m21. O que podemos esperar até outubro, quando cessa a vazante?

Renato Cruz: O esperado é que a vazante encerre também no mês de outubro deste ano, nos próximos meses (principalmente agosto e setembro) deveremos entrar em um período de recessão mais intensa com o rio Negro baixando vários centímetros todos os dias.

JC: Por que essas mudanças drásticas? Isso se deve a poucas chuvas nas cabeceiras dos rios?

RC: Ainda estamos sob efeito de um evento El Niño, que se encontra em fase final, passando para um período de neutralidade com perspectiva de se tornar um evento frio (La Niña) nos próximos meses (final do segundo semestre de 2024) nas águas superficiais do Oceano Pacífico. Por outro lado, o Atlântico se encontra bastante aquecido, também contribuindo para que as chuvas fiquem mais escassas na nossa região. Assim, poucas chuvas têm por consequência menores volumes de água nos rios, neste trimestre que inicia (julho, agosto e setembro). O normal é termos pouquíssima chuva na região e, com isso, os rios perdem grandes volumes de água, ficando com níveis mais baixos neste período do ano.

JC: Os pesquisadores já descobriram o porquê o El Niño ocorre?

RC: Há diversos fatores que podem determinar o surgimento de temperaturas anômalas nas superfícies dos oceanos. O El Niño é um fenômeno natural e já conhecido pelos povos originários das Américas bem antes da chegada dos europeus em nosso continente. Com as mudanças nas temperaturas dos oceanos, ocorre o que chamamos de ‘acoplamento’ oceano-atmosfera, que acaba por alterar os padrões de circulação geral da atmosfera, ocasionando chuvas em excesso em algumas áreas, enquanto outras apresentam forte déficit.

JC: Os rios da Amazônia sempre subiram e baixaram, mas agora a frequência tem sido maior. Isso, a curto prazo, pode acarretar em populações tendo que abandonar determinada região por falta de água?

RC: É verdade. Desde o final dos anos 1990 e início do século 21, vemos aumentar tanto em frequência quanto em intensidade os eventos de cheias e vazantes dos rios amazônicos. Embora a população ribeirinha tenha grande resiliência em tratar com as cheias, as secas severas impõem uma imensa restrição às populações mais afetadas como a exclusão do acesso ao transporte, água potável, pesca, escoamento de produção e diversos serviços sociais, como educação e saúde. A facilitação ao acesso à água potável deverá ser uma das prioridades das políticas públicas para enfrentarmos os ‘muito prováveis’ novos eventos de seca que ocorrerão sobre a Amazônia nas próximas décadas.

JC: Como o distante Atlântico empurrou nuvens, que viriam para a Amazônia, fazendo com que fossem para o Hemisfério Norte?

RC: Na região equatorial se forma um cinturão de nuvens que chamamos de ‘Equador térmico’, o qual acompanha o movimento aparente do Sol em relação à Terra ao longo do ano, o que dá origem às estações do ano e, por este motivo, em Roraima temos o período chuvoso deslocado do restante da região. Assim, quando aqui em Manaus estamos no chamado ‘verão amazônico’, Boa Vista está na estação chuvosa e vice-versa. Quando o Atlântico Tropical Norte (região do oceano entre o mar do Caribe e a costa noroeste da África) se encontra anomalamente aquecido, faz-se com que a região de formação das nuvens migre mais ao norte ainda (verão do Hemisfério Norte), muitas vezes associado às temporadas de furacões bastante ativas naquele hemisfério.

JC: O calor, ano passado, foi terrível. Sua principal causa seriam as fumaças das queimadas e não os rios com menos águas?

RC: O calor está associado a anomalias de temperaturas que ocorreram em período simultâneo com a seca, com maiores períodos de insolação e poucas nuvens no céu. A fumaça só aumentou em muito o desconforto e a possibilidade de doenças respiratórias na população, muito provavelmente por ações humanas em áreas próximas à região urbana de Manaus.

JC: As pessoas perguntam: para onde vai a imensa quantidade das águas dos rios que, em semanas, some?

RC: Como um grande sistema interconectado, as águas são levadas dos menores para os maiores cursos d’água, saem dos pequenos igarapés em direção aos maiores, depois aos rios e, por fim, todos para o nosso monumental rio Amazonas, que deságua no Oceano Atlântico junto à Ilha de Marajó, no litoral do Pará. Além disso, grandes volumes acabam evaporando da superfície de rios e lagos em decorrência das elevadas temperaturas.

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Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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