Amparada em incentivos e –tão somente neles –a Zona Franca de Manaus tem sido posta à prova em testes de estresse, desde seus primeiros anos de existência. Seja pela necessidade de adaptação a medidas impostas pela mudança dos tempos, seja por iniciativas que visavam beneficiar o restante do país, mas que foram adotadas sem a salvaguarda aos parâmetros constitucionais do modelo, o foco dessas medidas sempre foi tributário. E muitas vezes acabou sendo foco de processos que invariavelmente subiam para o STF (Supremo Tribunal Federal).
A lista inclui também episódios que comumente são chamados de “ataques” ao modelo, por coincidir com lobbies anti-ZFM e interesses políticos e eleitorais difusos e contrários aos do Amazonas. Nos últimos anos, conflitos do gênero se tornaram mais corriqueiros. O aniversário de 56 anos da Zona Franca praticamente ocorre apenas três dias depois do aniversário de um ano do primeiro dos decretos que mexeram no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) –um dos pilares dos incentivos do modelo –e que abriu uma crise econômica, política e jurídica, que se prolongou até o fim do terceiro trimestre do ano passado. A questão ainda está judicializada no STF.
A ex-vice-presidente do Corecon-AM (Conselho Regional de Economia do Estado do Amazonas) e professora universitária, Michele Lins Aracaty e Silva, reforça que a longevidade da ZFM não a isentou de impactos relacionados às mudanças no cenário macroeconômico. A economista prefere não falar tão somente de ataques e lembra que adaptações e ajustes foram inevitáveis em muitas ocasiões. Um desses episódios vem da abertura econômica de 1990, que “colocou à prova o protecionismo da indústria nacional”
que se intensificaram com o passar dos anos. Outro destaque foi a crise de 2014, que ocasionou perdas de US$ 12 bilhões em faturamento e de 35 mil postos de trabalho, entre 2015 e 2016. A guerra do IPI e do ICMS são os novos desafios e gargalos para a ZFM. Mas, podemos acrescentar ainda a reforma Tributária, que é muito necessária para o país, mas que necessita garantir a competitividade do modelo”, listou.
Concentrados e TVs
Para o ex-presidente do Corecon-AM, consultor empresarial e professor universitário, Francisco de Assis Mourão Júnior, um dos mais graves ataques à ZFM veio da Lei de Informática (8.248/1991), que concedeu benefícios para a instalação de linhas de produção em qualquer região do país. “Foi um duro golpe e a maioria das empresas que estavam aqui se foram. Uma mudança só veio durante a pandemia, quando alguns Estados aumentaram suas alíquotas de ICMS, e várias empresas retornaram ao PIM”, lembrou.
Alguns dos principais ataques à ZFM, segundo o consultor empresarial, foram focados no polo de concentrados. “Esse segmento tem a particularidade de usar matéria-prima regional. Entre o primeiro governo Lula (2003-2006) e o segundo (2007-2010), a alíquota caiu de 48% para 20%. No Governo Temer [2016-2018], começou uma redução drástica, porque o presidente havia se comprometido com os caminhoneiros (para acabar com a greve de 2017), e precisava de recursos. A alíquota caiu para 12%, depois para 8% e, mais tarde, para 4%. Tivemos, inclusive, a saída da Pepsi, por conta desse problema”, recordou.
Mourão Júnior ressalta que o contencioso entre com o governo de São Paulo em torno dos créditos presumidos de ICMS começou justamente a partir da demanda de uma indústria paulista de concentrados. “Esse era um segmento pujante, mas acabou sendo muito perseguido. Principalmente depois, no governo Bolsonaro (2018-2022), que chegou a ameaçar zerar a alíquota”, observou, acrescentando que o subsetor passou por anos de ziguezagues em suas alíquotas e acabou sendo alvo prioritário dos decretos de IPI.
A consultora empresarial, professora e integrante da seção regional da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia, Denise Kassama, avalia que a ZFM é alvo de ataques desde o governo Collor (1990-1992). A economista lembra que reduções de alíquotas de Imposto de Importação de produtos que estão na Zona Franca também sempre foram uma rotina –embora tenham se intensificado em portarias e decretos da administração federal anterior, minando bicicletas e bens de informática, entre outros itens.
“Nos governos FHC (1995-2002), o incentivo de IRPJ passou de 100% para 75%, por exemplo. Nos governos seguintes, tivemos muitas tentativas de engessamento da ZFM, limitando a concessão de novos PPBs, como se a tecnologia não evoluísse. E os televisores, que são os carros-chefes do Polo Industrial de Manaus, quase foram enquadradas como bens de informática, o que representaria a saída dessas empresas daqui (em razão dos incentivos nacionais da Lei de Informática)”, listou.
Efeitos colaterais
O presidente da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas), Antonio Silva, destaca que não acredita na hipótese de movimentos coordenados ou ataques direcionados contra o Polo Industrial de Manaus. O dirigente concorda, entretanto, que há pessoas que consideram a estrutura do modelo contraproducente, o que acaba contribuindo para políticas e ações que podem ser “benéficas para determinados entes”, mas que acabam culminando em prejuízos para o PIM, a partir de seus efeitos colaterais.
Ele dá como exemplo a redução linear do IPI no último ano. Mas lembra que, após meses de discussão, foi publicado um decreto que salvaguardou a maior parte do segmento. Antonio Silva acrescenta ainda que as “constantes reduções” das alíquotas do Imposto de Importação pela Camex (Câmara de Comércio Exterior) também afetam as empresas amazonenses e, por isso, “precisam ser acompanhadas de perto”.
“Recentemente também há uma lide contra o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, que decidiu não reconhecer os créditos de ICMS que as empresas obtêm ao adquirir produtos das indústrias locais. Na semana passada, o ministro do STF, Luiz Fux, reconsiderou a decisão da presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, e pugnou pelo prosseguimento do agravo regimental da Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas, para que se julgue o mérito da questão”, relatou.
O presidente executivo da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), José Jorge do Nascimento Júnior, ressalta que, toda vez que a ZFM é questionada, ou que há tentativas de limitar ou acabar com suas vantagens comparativas, surgem a “insegurança e a imprevisibilidade”, que afugentam o investidor.
“Podemos citar as mudanças repentinas nas políticas industriais, principalmente com as alterações de Processos Produtivos Básicos, inclusive o estabelecimento de PPBs inviáveis para a ZFM. Há também as ações governamentais que alteram o escopo de incentivos fiscais, como a redução do IPI ocorrida em 2022. A abertura comercial que privilegia e facilita a entrada de importados, distante de uma política que visa a exportação dos nossos produtos é outro exemplo de situações que prejudicam a competitividade do PIM, assim como o desequilíbrio das políticas industriais para dentro e fora da ZFM”, concluiu.