Agronegócio nacional “pop”, “tech” e vulnerável

Em: 24 de fevereiro de 2022

Nas tardes de sábado, Chacrinha alertava seus telespectadores que “quem não se comunica, se trumbica”. Com um dedo no nariz, apertando uma buzina, jogando na plateia bacalhau e entregando troféu abacaxi, o saudoso apresentador e comunicador sempre foi um exemplo do ditado popular: “propaganda é a alma do negócio”.

A parceria entre o agronegócio nacional e a maior rede de comunicação em canal aberto brasileiro vincula, há algum tempo, peças comerciais que asseguram: “o Agro é pop, o Agro é tech, o Agro é tudo”.

Não temos dúvidas que o Brasil tem importante papel na produção mundial de alimentos. O protagonismo é notório e garantido pela quantidade “continental” de terras, diversas ainda subaproveitadas, e pela logística natural litorânea e de importantes bacias hidrográficas como a amazônica.

Para chegar a esse patamar, o Estado investiu muito orçamento público em Ciência, Tecnologia, Inovação e Extensão Rural. 

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), criada pelo Governo Médici em 1973, compõe o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária – SNPA, instituído em 1992, onde atuam Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural, universidades e institutos de pesquisa de âmbito federal, ou estadual. Além de diversas organizações públicas e privadas, direta, ou indiretamente vinculadas à atividade de produção de conhecimento aplicado.

Relendo o documento Visão 2030 – O futuro da agricultura brasileira, produzido pela EMBRAPA (https://www.embrapa.br/visao/o-futuro-da-agricultura-brasileira) em abril de 2018, ressalto alguns pontos que merecem cuidado e análise estratégicas das autoridades e sociedade em geral.

Entre as megatendências e principais desafios apontados pelo documento, embora não houvesse previsão de uma pandemia e seus efeitos, estão: 1) mudanças socioeconômicas e espaciais na agricultura (alterações na geografia da produção agrícola brasileira — deslocamento espacial de culturas e a incorporação de novas áreas para atividades agrícolas — e transformações socioeconômicas, por exemplo, tendências migratórias entre as regiões do País e a concentração da produção e da renda em um número relativamente pequeno de estabelecimentos rurais); 2) intensificação e sustentabilidade dos sistemas de produção agrícolas; 3) mudança do clima; 4) riscos na agricultura, pela dependência de recursos naturais, condições climáticas, processos biológicos (aspectos inerentes à natureza das atividades agropecuárias), alterações de mercados e na economia, além de pressões e demandas não previstas do público consumidor; 5) agregação de valor às cadeias produtivas agrícolas, considerando a relação demandada do vínculo entre saúde/nutrição/alimentação e produtos agrícolas; 6) protagonismo dos consumidores, estimulado por formas de interação e comunicação entre empresas e consumidores, cidadãos e governos; 7) convergência tecnológica e de conhecimentos na agricultura, constatada por intensa transformação digital do setor e marcada por avanço e convergência de novos conhecimentos em nanotecnologia, biotecnologia e ciências cognitivas; e, 8) assimetrias sociais, pobreza rural e inclusão produtiva, considerando o forte contraste entre a expansão da agropecuária nas duas últimas décadas e o aprofundamento das diferenças sociais e econômicas nas regiões rurais.

Desde 2018, nossas escolhas equivocadas da democracia nacional (representações obtusas no Congresso e Executivo), uma pandemia e seus naturais impactos sociais e econômicos (o luto de mais de 640 mil famílias brasileiras), somado a um cenário global com imensa fragilidade de lideranças e relações diplomáticas, avivaram as vulnerabilidades do ‘Agro Pop, Tech’ no Brasil.

Infelizmente, a imagem positiva do protagonismo e sustentabilidade do Agro nacional vem, paulatinamente, sendo substituída pela marginalidade de um setor que desmata a Amazônia, produz veneno no alimento que coloca em nossa mesa, além da inflação na cesta básica, ao preferir exportar em dólar em detrimento a vender aqui, em reais. 

No contexto da nossa atroz dependência química de agrominerais, por produzir muito alimento, demandamos a importação de fertilizantes. 

No caso do macro nutriente potássio (K), do NPK, por exemplo, na geopolítica mundial e durante a guerra deles, a produção russa atenderá a vizinha e amiga China; a produção alemã, o velho mundo europeu; a produção canadense, a lindeira nação irmã estadunidense; a produção israelense, os países da OPEP e a populosa Índia.

E o Brasil? 

Continuamos a depender da importação de 95% do minério de potássio que consumimos e que nos permite a extraordinária produtividade e protagonismo…. Perdido como cego em tiroteio, isolados da liderança que sempre mantivemos no cenário sul e latino-americano, permanecemos ‘deitados em berço esplêndido’, preocupados com o sexo dos anjos, em conter a disseminação de mentiras, com o pão e circo dos cercadinhos, com a milícia armada, urna eletrônica, fundos eleitorais, orçamentos secretos…

Guardo a esperança e a pessoal rebeldia que, finalmente, possamos eleger em 2022 um projeto de desenvolvimento nacional que proponha, como indicador e meta, a erradicação da fome e da miséria no Brasil. 

Chega de propaganda enganosa…

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM
Pesquisar