Águas de Manaus: Esclarecimentos e Reflexões – Parte 2

Em: 15 de maio de 2025

Este artigo amplia os esclarecimentos feitos em 25 de março de 2025 e traz reflexões sobre conteúdos discutidos sobre textos anteriores.
Esclarecimento 3) Hoje, Manaus tem o serviço de abastecimento de água universalizado. Toda água distribuída é tratada e potável – os moradores podem beber a água diretamente da torneira. Desde que começou a atuar na capital amazonense, a concessionária adotou uma série de medidas e melhorias no sistema que resultaram na redução dos índices de perdas. A principal delas foi garantir o abastecimento regular em áreas de becos, palafitas, rip-rap e comunidades recentemente reconhecidas na cidade. De acordo com o Instituto Trata Brasil, Manaus está entre as três capitais que mais reduziram o índice de perdas da água no Brasil, saindo de 74,95% para 55,44%, ou seja, uma queda de 26%. Os dados são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS – 2022).
Reflexão 3) Embora Manaus tenha mais de 99% de cobertura legal no abastecimento de água, ainda há desafios para a universalização plena. Altas perdas, qualidade irregular e desigualdades no acesso — especialmente em palafitas, becos e áreas irregulares — revelam limitações técnicas, legais e operacionais ainda não superadas, segundo dados do próprio SNIS.
Segundo o Ranking do Saneamento 2024 do Instituto Trata Brasil (https://tinyurl.com/yz6pnftt), que analisou os 100 municípios mais populosos do Brasil, Manaus, apesar de ter 99,49% de cobertura de água (acima da média das capitais), ocupa a 86ª posição entre os 100 maiores municípios — com nota baixa de 4,55 (de 0 a 10). Em contraste, cidades como Maringá, Campinas e Uberlândia lideram com cobertura superior a 99%, coleta e tratamento de esgoto acima de 90% e baixos índices de perda.
Manaus está entre os 20 piores municípios no Ranking do Saneamento 2024 (Quadro 31 – p. 55). E não é só isso, nos últimos dez anos, a cidade figurou anualmente entre as 20 piores posições (Quadro 32 – p. 59).
Embora o índice de perdas na distribuição de água tenha caído de 74,95% em 2018 para 55,44% em 2022 — uma diferença de 19,51 pontos percentuais — o valor ainda supera a média nacional (37,48%) e está muito acima da meta de 25% estabelecida pela Portaria 490/2021 do Ministério do Desenvolvimento Regional. Isso significa que Manaus desperdiça quase 1,5 vez mais água tratada que a média do país e 2,2 vezes mais do que o limite considerado aceitável. Esses números revelam sérios problemas estruturais e de gestão no sistema de abastecimento, incompatíveis com um serviço que se pretende verdadeiramente universalizado.
Além disso, o texto apresenta uma redução percentual relativa (26%) que mascara o fato de que mais da metade da água tratada ainda é perdida, o que é ambientalmente insustentável e economicamente ineficiente, demonstrando que nossa cidade está muito distante de boas práticas internacionais observadas em cidades bem administradas, cujas perdas aceitáveis ficam abaixo de 10% tais como Tóquio (3%; https://tinyurl.com/msxpy6j4) e Cingapura (8%; https://tinyurl.com/5yc2emu3).
Esclarecimento 4) Em paralelo a estas ações, a concessionária também trabalha com programas de conscientização ambiental, como o museu Fonte do Saber – no qual crianças aprendem sobre o ciclo da água -, o programa Portas Abertas, onda estudantes visitam as estações de água e esgoto para aprender sobre a importância do tratamento e do uso correto da água e esgoto, palestras em comunidades, por meio do programa Afluentes.
Reflexão 4) As iniciativas citadas são bem-vindas e contribuem para a educação ambiental. No entanto, divulgá-las não é suficiente: é essencial demonstrar que geram impactos reais na mudança de comportamento e na melhoria ambiental nas áreas beneficiadas. Além disso, ainda são limitadas em seu alcance, especialmente quando se trata de engajar a população de Manaus em temas mais complexos, como o tratamento de efluentes.
Um exemplo claro disso vem de um estudo realizado em Petrópolis com 117 moradores de ruas impactadas pelas obras da Águas de Manaus. Os resultados mostram que 35% dos entrevistados se opõem à forma como a coleta e o tratamento de esgoto vêm sendo conduzidos na cidade (https://tinyurl.com/3kauzy99 e https://tinyurl.com/3y5bamd5). Isso evidencia que a aceitação do saneamento básico vai além do reconhecimento de seus benefícios — ela exige confiança na gestão e na execução das obras.
Esclarecimento 5) Hoje, Manaus caminha para a universalização do esgotamento sanitário. A concessionária está com obras em curso para a expansão dos serviços de esgoto na capital amazonense, com implantação de rede coletora e a construção e ampliação de estações que tratam e devolvem a água livre de contaminações para a natureza. Todo esgoto coletado na cidade é tratado. A estrutura conta com mais de 120 Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), que realizam o tratamento de mais de 62 milhões de litros de esgoto por dia. A meta é que, até 2033, o serviço esteja universalizado na capital, proporcionando maior qualidade de vida, melhores índices de saúde e recuperação dos igarapés.
Reflexão 5) Se continuar o modelo atual de gestão, é improvável que, até 2033, as ETEs em funcionamento em Manaus promovam a recuperação efetiva dos igarapés urbanos ou contribuam significativamente para a melhoria da qualidade de vida da população. Embora estejam gerando retorno financeiro tanto para a concessionária quanto para a Prefeitura, os impactos ambientais e sociais permanecem limitados. Em bairros como Petrópolis (https://tinyurl.com/3kauzy99), por exemplo, estudo com moradores de áreas diretamente afetadas pelas obras da Águas de Manaus revelou que no cenário realista, cerca de 96% dos imóveis continuarão lançando esgoto in natura, devido à baixa implantação de TILs e à baixa adesão dos moradores — consequência de fatores como baixa transparência, má qualidade das obras e tarifas consideradas abusivas.
Apesar da tentativa de apresentar indicadores positivos, o cenário real do saneamento na capital evidencia um descompasso entre os dados oficiais e as condições vivenciadas pela população. A universalização do serviço não deve ser reduzida à cobertura nominal de 99%, mas sim compreendida como o fornecimento de acesso transparente, contínuo, equitativo, economicamente justo e tecnicamente adequado. Atualmente, com perdas na distribuição de água superiores a 55% e ampla parcela do esgoto sem tratamento adequado, não é possível afirmar, com rigor técnico ou integridade gerencial, que Manaus dispõe de um sistema de saneamento verdadeiramente universalizado. O que se observa é um arranjo político e jurídico muito bem azeitado que, concentra benefícios para poucos, omite deficiências estruturais e que não consegue engajar a população para superar os desafios que mantêm Manaus com os piores índices de saneamento do país.

Jonas Gomes

Prof. Dr. Jonas Gomes da Silva - Professor Associado do Dep. de Engenharia de Produção com Pós Doutorado iniciado no ano de 2020 em Inovação pela Escola de Negócios da Universidade de Manchester. E-mail: [email protected].
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