Posto o segmento anterior, resta a considerar em seguida um mundo no qual as aristocracias trabalham juntas para permanecer no poder, promover seus sistemas e prejudicar as democracias, não sendo uma distomia distante, mas um mundo em que vivemos agora.
Provocativo e relevante, o novo livro da renomada jornalista e historiadora Anne Applebaum, Autocracia S.A., é uma análise urgente sobre a a ascenção e consolidação da autocracia no século XXI.
Contrariando o modelo tradicional de regime oporessor fortalecido pela figura de um lider, as autocracias atuais são sustentadas por redes intrincadas de corrupção, tecnologias de vigilância e estratégias de propaganda. Sanções econômicas e condenação internacional não abalam as autocratas; nem mesmo movimentos populares de oposição fazem alguma diferença. Colaborando uns com os outros, governantes autoritários como os da Venezuela, da Rússia e do Irã, tem usado a cleptocracia e a violência sem preocupação com as críticas na busca incessante por enriquecimento pessoal.
Sucede, Appplebaum desvenda como o uso avançado da tecnologia manipula informações, fomenta divisões internas e silencia oposição. Por meio de análises detalhadas, mostra como a internet, em vez de ser uma ferramenta de liberdade e transparência, tem sido a principal arma no fortalecimento de ideais iliberais.
Atenta ao desafio atual, a autora convida os leitores a refletirem sobre o impacto das autocracias na democracia e na ordem internacional, e a considerarem o papel que cada um pode desempenhar na luta contra a tirania e na promoção de valores mais justos.
Se seus únicos inimigos fossem o corupto e falido regime venezuelano ou o brutal e desagradável regime bielorussso, esses movimentos de protesto talvez tivessem vencido. Mas eles não estão lutando somente contra autocratas em solo doméstico; estão lutando contra autrocratas em todo o mundo, que controlam empresas estatais em múltiplos países e podem usá-las para tomar decisões de investimento de bilhões de dólares. Estão lutando contra regimes que podem comprar câmeras de segurança da China ou bots de São Petersburgo. E, acima de tudo, estão ltando contra governantes que há muito se tornaram indiferentes aos sentimentos e às opiniões de seus compatriotas e de todos os outros. A Autocracia S.A. oferece a seus membros não somente dinheiro e segurança, mas também algo menos tangível: impunidade.
A convicão, comum entre os autocratas mais ferrenhos, de que o mundo não pode tocá-los — de que o posicionamento das nações não importa e nenhum tribunal da opinião pública jamais os julgará — é relativamente recente. Outrora, os líderes da União Soviética, a mais poderosa autocracia da segunda metade do século XX, observavam com atenção a maneira como eram percebidos ao redor do mundo. Eles promoviam vigorosamente a superioridade de seu sistema político e o objetivavam quando este era criticado. E ao menos fingiam dar importância ao sistema aspiracional de normas e tratados instaurados após a segunda Guerra Mundial, com sua linguagem sobre direitos humanos universais, leis contra crimes de guerra e o Estado de direito de modo mais amplo.
Quando, num episódio famoso, o premiê Nikita Khrushchev se levantou na sede das Nações Unidas e bateue o sapato na mesa durante a Assembléia Geral de 1960, ele o fez porque um delegado filipino havia dito que a Europa Oriental sob ocupação soviética fora “privada do livro exercício de seus direitos civis e políticos”, e sentiu que era importante objetar. Mesmo no ínício deste século, a maior parte das ditaduras escondia suas verdadeiras intenções através de exibições elaboradas e cuidadosamente manipuladas de democracia. (Continua).
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É advogado (OAB/AM 436). Cursou Direito, Comunicação Sociao (Jornalismo), Contabilidade, Oratória, Lecionou História, Articulista. Contato: [email protected].
