Escrevo no momento em que acompanho as homenagens mundiais ao cidadão negro George Floyd, morto por representantes do Estado de Minnesota (EUA) que, por princípio, deveriam assegurar o direito de respirar. Além de sufocar, o Estado, na outra fórmula, permite que a Covid-19 siga matando centena de milhares naquele país, vítimas de um vírus invisível que, sintomaticamente, também nos tira o direito de respirar.
No Brasil, por exemplo, estamos com mais de 1000 óbitos diários. Já chegamos a mais de 1400 e só percebemos a gravidade da situação quando ‘desenhamos’: morre um brasileiro de Covid-19 a cada minuto.
O Governo Bolsonaro, sem ministro da Saúde, começa a ser referência mundial pela incompetência em gerir nossa situação de risco social: manipulam os números do Sistema Nacional de Saúde, os divulgando no final da noite, depois do Jornal Nacional, para que poucos os conheçam; ao inaugurar o primeiro hospital de campanha federal em Goiás, depois de 100 dias de pandemia, nosso presidente fala da importância do seu recente gesto que autorizou a importação e comercialização de armas para a população se defender dos governadores e prefeitos; e, com granadas nos bolsos, nosso ministro da Economia ataca o funcionalismo público, o mesmo que no Sistema Único de Saúde, continua lutando como heróis para salvar vidas.
Enquanto nossos micros, pequenos e médios empresários ainda esperam a análise do apoio financeiro dos bancos, a indiferença com as minorias acentua nossas desigualdades e representa a regressão ética, moral e ideológica do governo Bolsonaro.
Nesta primeira semana de junho me fiz a seguinte pergunta: o que levam milhares de pessoas às ruas, enfrentando o perigo de morte neste momento de pandemia, desobedecendo autoridades e seus toques de recolher?
Algumas marchas dão visibilidade ao racismo estrutural e materializam nossa enfermidade humana. Há falhas de coração, e corremos o risco de falência múltipla das almas.
O que tenho notado de mais interessante naquelas marchas é o fato que a maioria dos participantes não é de negros, mas, de jovens, multicoloridos, jovens que lutam pela vida e seus valores essenciais, pelo direito de respirar e pela liberdade.
As preces, louvores e palavras de ordem não ressuscitarão vidas. Mas espero, nos tirem do estado catatônico em que estamos vivendo enquanto civilização, nas senzalas institucionais e sistêmicas que prescrevem direitos que nunca chegam as nossas minorias.
Lá na América, como aqui, no Brasil, a tragédia pandêmica revelou o comportamento esquizofrênico das suas lideranças políticas.
Lá, diante das vozes das ruas que pediam menor truculência nos protocolos dos agentes policiais, foram recomendados pelo presidente norte-americano, canhões de guerra.
Aqui, estamos ‘tocando a boiada’.
Nossa mais importante autoridade da Fundação Cultural Palmares, Sergio Camargo, chama o movimento negro no Brasil de “escória maldita”. A dimensão política pela polarização com estados e municípios, com o judiciário e o Congresso Nacional, busca criar a cortina de fumaça que vem asfixiando nossa população, abandonada a própria sorte, com similaridades aos atos criminosos dos policiais americanos em Minnesota.
Senhor Presidente Bolsonaro, sem Pacto Federativo, não estamos e nem conseguiremos respirar. Ele é o nosso oxigênio.
Não desafie nossas inteligências.
Se as forças armadas têm a competência constitucional de defesa da nação, vosso comportamento e de vossa equipe parecem trabalhar para tornar seu Governo um inimigo maior e mais letal que a Covid-19.
E, infelizmente, entre passeatas antidemocráticas e antifascistas, parecemos indiferentes aos números da pandemia e as consequências da reabertura da economia, no caos do Brasil, Pátria Amada.
Pergunto às nossas autoridades locais: será que as vendas pelo dia dos namorados são mais importantes que os dados científicos que aconselham máxima precaução pela realidade do nosso sistema de saúde?
Estamos vivendo o auge da pandemia e, apressados, poderemos comer cru e quente.
Se a nossa referência viking sueca hoje lamenta as vidas perdidas e pede desculpas, o que esperar de um mito que se refugia no discurso hipócrita da fatalidade das mortes e da culpa e responsabilidade dos estados e municípios?
O que estamos vivendo no Amazonas, se nada for feito contrário, não desejamos aos demais estados do Brasil.
Em solidariedade a todos os filhos da Mãe África, de quem somos irmãos, transcrevo este trecho do livro “Jesus e a Cidadania do Espirito”, publicado em outubro de 2019 pelo escritor Paiva Netto: “Racismo é obscenidade (assim como preconceitos sociais, de gênero, religiosos, científicos ou de qualquer outra espécie) […]. Somos contra o racismo, porque lutamos, sobretudo, pela dignidade do ser humano. ”
Daniel Borges Nava é Geólogo, Analista Ambiental e Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia.