23 de novembro de 2024

A metafísica da guerra

Breno Rodrigo de Messias Leite*

Georg Wilhelm Friedrich Hegel, o mais importante filósofo alemão de todos os tempos, viu com seus próprios olhos as movimentações militares do general francês Napoleão Bonaparte no campo de batalha. Foi no próprio teatro das guerras napoleônicas que o filósofo presenciou a História Universal sendo remodelada diante de si e do mundo. Na Universidade de Jena, em Turíngia, o jovem professor de Filosofia de 36 anos testemunhou com admiração tudo aquilo e disse: “Napoleão é o espírito do mundo a cavalo.”  

A apoteose da guerra em Hegel é, antes de tudo, um método filosófico. A penetrante percepção de Hegel sobre a fenomenologia da guerra só pode ser entendida à luz da dialética da história. E isto quer dizer que toda transformação histórica é a possibilidade de realização do Espírito Absoluto e da liberdade da espécie humana. Em “Princípios de Filosofia do Direito”, obra publicada em 1820, Hegel é categórico acerca dos imperativos da guerra: “é o espírito na sua verdadeira racionalidade e na sua imediata realidade, e, portanto, é o poder absoluto sobre o território. Assim, um Estado é soberano e autônomo em relação a seus vizinhos. Existir enquanto tal para o outro, isto é, ser reconhecido por ele, é o seu direito primeiro e absoluto.” 

As lições de Hegel não ficaram presas no passado distante das guerras napoleônicas. O fato – e aqui está a centralidade da argumentação hegeliana – é que as guerras foram as principais responsáveis pelo ímpeto de criação do Estado nacional moderno. A luta pela nacionalidade e a afirmação da comunidade nacional foram passos decisivos para a formação de um sistema interdependente arquitetado em torno de Estados nacionais universalmente reconhecidos em sua soberania. Assim, a Era do nacionalismo expande a consciência e a autoconsciência nacional. Continua Hegel: “se o Estado se encontra em perigo, assim como a sua autonomia, todos os cidadãos empenham-se em sua defesa. Se, nessas circunstâncias, todo o Estado se ergue às armas e deixa a sua vida doméstica para lutar no estrangeiro, a guerra de defesa transforma-se em guerra de conquista.” 

A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia endossa a percepção fatalista de Hegel. Numa combinação de destruição dos significados históricos, manipulação do uso da linguagem e profundo ardil psicológico, Vladimir Putin dobrou o resta do mundo ocidental e iniciou o maior conflito armado na Europa depois do fim da Segunda Guerra. Como se sabe, o cálculo militar serve à causa política. Logo, a ambição estratégica de Putin é reposicionar a Rússia no concerto das nações – a política das grandes potências – tal como no passado imperial ou soviético. O peso da ação militar contra a Ucrânia mostra a força da realpolitik de Putin e a maneira russa de resolver problemas fronteiriços com seus vizinhos através da guerra de agressão e de anexação. Dados da história militar dão conta de que a Rússia já se envolveu em aproximadamente 219 conflitos armados. Ao todo, venceu 179 e perdeu 40 – uma taxa de aproveitamento de letalidade militar de 80% de vitórias no campo de batalha.

O emprego da guerra para resolver problemas políticos é uma constante na história. Talvez seja esta a nossa natureza: errante e decaída. A manifestação da guerra é um indício de que estamos ainda bem distantes de um mundo pacífico, livre e fraterno.

*é cientista político 

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]

Veja também

Pesquisar