No encerramento do ano letivo da Escola de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado (ECP/TCE/AM), na última sexta (29/11/2024), ocorreram palestras e debates muito interessantes sobre a temática da gestão de recursos hídricos no Amazonas. Autoridades nacionais no tema como o hidrólogo Jerson Kelman e a presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Veronica Sanches fizeram valiosos apontamentos sobre o assunto.
Chamado a figurar como moderador, por gentileza e deferência do prezado conselheiro Julio Pinheiro, que lidera a temática da tutela ambiental nos tribunais de contas brasileiros, me permiti tecer um comentário ácido. Quase um desabafo, sem em nada menosprezar os valorosos esforços dos respeitáveis atores locais e nacionais presentes, incluindo a ala acadêmica, como a da equipe do professor Sergio Duvoisin (UEA), que, mesmo com recursos escassos, intenta levar à frente a pesquisa de monitoramento da qualidade das águas em nosso estado.
Destaquei o seguinte. Faltam recursos e políticas públicas especialmente pensadas para os imensos desafios, vulnerabilidades e peculiaridades da Amazônia Brasileira e suas bacias federais e estaduais sob o olhar holístico ecológico e considerando o contexto emergencial da crise do clima.
Embora o presidente da república tenha sido muito claro na reunião do G-20 no RJ sobre a vulnerabilidade da Amazônia na crise climática, ainda prevalece a mentalidade segundo a qual, porque temos muita água, não se deve dar prioridade à gestão dos nossos ecossistemas hídricos, considerando a insegurança e escassez nas bacias menores situadas nas demais regiões.
Muitos reputam que o rio caudaloso que concentra mais 60% da água doce brasileira teria o poder de depuração das impurezas, fornecendo água potável, dessedentação às populações e animais, filtragem dos esgotos e resíduos sólidos, preservação do ecossistema e atendimento à demanda da produção agrária e industrial.
Mas não é bem assim, como sabemos. A realidade agora é outra. O resultado das pesquisas no barco laboratório “Roberto Vieira” (UEA, FAPEAM) nas calhas dos Rios (federais) Madeira e Negro é fato eloquente. Temos alto grau de contaminação e degradação das águas. No caso do Rio Madeira, o mercúrio (metal pesado e nocivo à saúde) ameaça diretamente as populações ribeirinhas eis que encontrado nos pescados em alta quantidade. No Rio Negro, explorações nocivas e contaminações estão afetando a típica acidez desse manancial internacional que é uma das mais belas obras da natureza com suas imensidões cor de guaraná, ilhas e praias de areias límpidas, igapós e florestas da Hiléia.
É evidente que o imenso volume de águas não é mais a panaceia contra todas as ameaças e os riscos socioambientais e climáticos. As cidades não possuem rede de tratamento de esgoto e os lançam nos rios com todos os pesados agentes químicos, biológicos e microplásticos poluentes. Temos o problema da poluição transfronteiriça e as hidrelétricas nas cabeceiras e nascentes nos países andinos (Colômbia, Peru, Venezuela). O garimpo persiste no leito dos rios. Não há uma única gerência e comitê de bacia hidrográfica efetivamente em operação no Amazonas para controle dos usos nas águas e margens e o IPAAM e as forças de segurança locais não possuem recursos suficientes para reprimir de modo mais abrangente os ilícitos ambientais e hídricos. Não existe agência de água estadual ou regional. O Conselho Estadual de Recursos Hídricos está desarticulado. O plano estadual de recursos hídricos não sai do papel. O fundo estadual de recursos hídricos está esvaziado. A ANA apenas monitora, mas não tem como atuar para contornar os impactos dos eventos extremos, limitando-se a alertar estados e municípios.
Já perdemos 47 mil hectares de água em nossos rios, apenas de janeiro a setembro de 2024, segundo estudo do IMAZON/MAPBIOMAS.
E o pior não pode ser ignorado, prezado leitor! Não fique ansioso, mas encaremos a realidade: vivemos emergência climática que ameaça colapsar tanto a atmosfera quanto a floresta e os nossos rios. Isso é um risco gravíssimo que bate a nossa porta, decorrente do aquecimento do planeta, provocado pelo conjunto das emissões de todos os países, principalmente dos ricos, que não querem pagar a conta.
Estudos mais recentes trazem o prognóstico de falência da Amazônia e sua conversão em mata rasteira de solo infértil até 2050. Confira os relatórios do IPCC e, em particular, o estudo publicado na revista Nature no vol. 626, de 15 de fev de 2024 intitulado “critical transitions in the Amazon Forest System” (Bernardo M Flores, Carlos Nobre et al.). Talvez já tenhamos ultrapassado o ponto de não retorno.
A Amazônia não sucumbirá ao calor pelas bordas desmatadas tão somente. Forma-se no centro do Amazonas, na calha principal da bacia, um círculo de concentração de calor, que nos expõe ao risco de colapso climático nos próximos anos, com estiagens e secas cada vez mais intensas. É visível o início desse processo destrutivo a julgar pelas secas recordes de 2023 e de 2024 e a dificuldade da atmosfera dissipar as fumaças das queimadas e manter o ciclo das chuvas em meio aos domos de calor.
Em havendo o colapso climático, não adiantará adaptar estruturas para captação de água, não adiantará perfurar poços, não adiantará fazer reservatório, simplesmente porque não aguentaremos mais a alta temperatura, a baixa umidade, o estresse hídrico e seremos obrigados a nos mudar e adeus Amazônia.
Precisamos agir agora, exigindo de governos e mercados a reversão desse quadro perverso aos amazônidas. Ou vamos permitir que todos nós, nossos filhos e netos sofram e se tornem refugiados do clima tendo que mendigar abrigo e pão em outro lugar?