As fronteiras da democratização

Em: 24 de março de 2022

O aparecimento da democracia é uma curiosa combinação institucional marcada, entre outras coisas, por virtudes públicas, ações coletivas de grupos de interesse, arranjos ideológicos, e muita paciência. Nenhum país ou região do mundo pode reivindicar a exclusiva engenhosidade de ter inventado a democracia na sua totalidade.

Atenienses nos forneceram a fórmula filosófica da democracia –o governo do povo –, organizado sob os fundamentos da Ágora, i.e., da grande assembleia de homens livres –os cidadãos. Os nórdicos, por sua vez, mostraram as virtudes da vida comunitária pautada na coesão tribal e étnica. Já os ingleses apostaram na sabedoria do pluralismo e nas virtudes liberais das instituições – o modelo Westminster. Os norte-americanos possibilitaram a inclusividade por meio da conversão de indivíduos livres em cidadãos, de cidadãos em eleitores que podem, assim, participar amplamente da vida política sob o espírito republicano e federativo.

As longas veredas da democratização brasileira condicionaram a formação de Estado nacional superior à sociedade. Aquele subordinando, disciplinando e dominando a dinâmica da morfologia social organicamente desigual e hierárquica. Esta relação assimétrica entre Estado e sociedade é um dos indicadores para se entender um pouco do drama social brasileiro. Nesse sentido, podemos entender a democracia brasileira como um somatório marcado pela democratização de longo prazo, ainda incompleta.

A democratização do Executivo é a mais antiga. Está ligada à própria formação do Estado nacional no século 21. Esta democratização do poder Executivo diz respeito à prestação de contas e à responsividade de seus atos. Em linhas gerais, os mecanismos de transparência e compliance acompanham parte da estrutura de governabilidade, pois do contrário o chefe de governo pode incorrer em crimes de responsabilidade administrativa (o que pode redundar em impeachment). Infelizmente, esta não é a regra geral no Brasil que tem ilhas de excelente administrativa e zonas cinzentas de práticas clientelistas na estrutura do Estado.

Democratização do Legislativo é mais recente, pois vem no bojo da Constituição de 1988. A abertura do Legislativo à opinião pública e aos mecanismos de controle –assim conhecidos como e-government –são certificadas nas estruturas intralegislativas como a Mesa Diretora, as Comissões Parlamentares e o Colégio de Líderes. Os mecanismo de controle no Legislativo são eficiente por uma única razão: o jogo parlamentar entre oposição e situação, esquerda e direita, e o escrutínio eleitoral inibem a formação de um espírito corporativo entre os parlamentares

Por fim, o Judiciário representa a última fronteira da democratização. Diferente dos outros poderes da República, o Judiciário passa por uma lenta e contraditória modernização de suas instâncias decisórias. O Judiciário é historicamente um poder oligárquico, onde as práticas do cunhadismo, privilégios corporativistas, proteção de familiares e supersalários são a regra. O poder Judiciário no Brasil, por sua estrutura endógena de reprodução burocrática, engessa a inovação burocrática, porém perpetua as práticas mais privativas e menos transparentes.

Por mais que se tenha tentado até hoje, o Judiciário é ainda bastante reticente às mudanças institucionais necessárias para uma redução do gigantismo estatal e maior protagonismo da sociedade e dos outros poderes da República dentro de um sistema de controle mútuo de freios e contrapesos. 

As fronteiras da democratização passam necessariamente pelo maior e mais seguro papel da sociedade civil nos mecanismos de controle e participação. Uma cidadania para valer demanda por mais poder popular nas instâncias de poder. Precisamos avançar muito mais nas fronteiras da democratização do Estado de Direito.   

Breno Rodrigo

É cientista político e professor de política internacional do diplô MANAUS. E-mail: [email protected]
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